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Quando o ser humano e o esportista são um só (Mais Forte que o Mundo)



Quando o atleta consegue separar sua vida pessoal da profissional? Essa pergunta é o que impulsiona a biografia do primeiro campeão peso - pena do UFC, José Aldo. A vida serviu de suporte e inspirou o recente filme de Afonso Poyart , Mais Forte que o Mundo - A História de José Aldo. O diretor consegue imprimir sua autoria e a cada cena o público fica mais familiar com o estilo adotado por ele.

A trama gira em torno do lutador que não é diferenciada da maioria dos atletas que encontram no esporte um motivo e incentivo para superar as dificuldades impostas pela vida. O filme retrata dois períodos específicos de José Aldo: a vida repleta de obstáculos em Manaus e o esforço para se tornar profissional no Rio de Janeiro. A medida que enfrentava as dificuldades, algo lhe prendia ao passado: a relação conturbada com o pai dependente químico e violento. O rancor acompanhava o lutador dentro e fora do octógono. O impulsionava e ao mesmo tempo era seu maior inimigo. 

Após o término do filme, um nome específico e fundamental surge nos créditos finais: Fátima Toledo. Conhecida pela preparação de elenco, ela desempenha um trabalho de destaque tornando-se um personagem a mais na trama. A forma visceral com que José Loreto interpreta José Aldo é referência direta e ligada ao trabalho da profissional. A preparação fica evidente principalmente nas cenas em que o personagem extravasa seus sentimentos por meio das lutas ou pelo confronto direto com o pai. O mesmo acontece com Rômulo Neto, uma espécie de fantasma ou alter ego do protagonista. Fernandinho aparece em momentos de decisão da vida do lutador e o ator consegue dar intensidade e se arrisca ao construir o personagem. O exagero muitas vezes é forçado em algumas cenas, o que pode causar um ruído e destoar do trabalho dos demais atores. Só o fato da profissional impulsionar os envolvidos, já faz o trabalho merecer atenção. O mesmo não se pode dizer de Cleo Pires, entre um trabalho e outro, a atriz imprime uma linearidade constante em suas personagens. A única justificativa encontrada para ela estar no papel de Vivi é ser um nome conhecido que pode ter a função de atrair mais o espectador. 


Afonso Poyart consegue aos poucos familiarizar o público com seu estilo bem próximo de um vídeo clip. Muitas cenas o recurso de câmera lenta e trilha sonora são utilizados para contar a história. Em determinados momentos, essa característica predominante nos filmes do diretor funciona e não deixa a trama ganhar tons de melodrama. A edição auxilia no processo de envolvimento do público, mas a escolha pela repetição de algumas cenas torna a trama cansativa. A cena da "luta" entre os animais contada pela primeira vez por Seu José, mais um trabalho interessante de Jackson Antunes, cabe perfeitamente ao retratar um período específico da vida do protagonista. Já utilizá-la para enfatizar uma luta, não acrescenta na trama, só evidencia a repetição. Destaque para o roteiro que também é assinado por Afonso. As cenas voltadas para a comédia funcionam muito bem no núcleo destacado por Rafinha Bastos. O núcleo retratado na favela também equilibra a trama. A cena em que um dos personagens oferece ao protagonista trabalho de guarda- costas e os envolvidos debatem sobre o filme de Kevin Costner e Whitney Houston é necessária e funciona perfeitamente. 


Apesar do filme retratar uma trama já conhecida pelo público, a superação dos atletas rumo ao topo da carreira, o principal aspecto que torna Mais Forte que o Mundo - A História de José Aldo interessante é o duelo do protagonista com ele mesmo. Aqui, o esportista e o ser humano são um só, não existe o lutador, e sim, o José Aldo.  O filme cresce a medida que o protagonista trava suas batalhas internas. A Luta em Las Vegas possui a mesma intensidade e importância se comparada com a luta diária travada com o pai. O lutador e ser humano levam consigo as amarguras e cicatrizes de uma vida difícil e o filme aborda esse aspecto de forma intensa e realista fazendo com que o público também entenda que atrás de um esporte extremamente violento existe um lado delicado e pessoal. Existe o esportista mais também e talvez com mais força existe o lado humano, na hora da luta, eles são um só.



     

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