Humanidade. É a
palavra que define a cinebiografia do ator Arlindo Barreto que ficou famoso por
interpretar o palhaço Bozo, na década de 1980, nas manhãs do SBT. O que existe
além da maquiagem e peruca do protagonista? Um ser humano repleto de
ternura e instinto paterno. Um homem sujeito às tentações que a vida
artística lhe proporciona. Sexo, drogas e uma alegria matinal camuflada pelo
afastamento do filho. Quanto mais o pai se dedica para alegrar crianças no
programa, o drama com o filho vem à tona. A trama gira em torno da humanidade e
relações familiares do protagonista.
Vladimir
Brichta proporciona ao espectador um personagem rico em camadas e repleto de
conflitos. O ator consegue exaltar o exagero e sarcasmo necessário para não
transparecer um palhaço corriqueiro, e sim, diferenciado dos demais. Neste
momento a arte reflete a vida de vários atores. Muitos buscam ser
reconhecidos e percorrem um longo caminho de frustrações. Poucos
conseguem alcançar o sucesso e ainda sofrem com o estigma de um personagem
marcante. Vladimir explora todas as camadas do protagonista de forma intensa e
busca sempre o equilíbrio entre a comédia e o drama. O filme ganha cor com
Bingo em cena e tons mais escuros quanto exige dramaticidade para o personagem.
Daniel Rezende, mais
conhecido pelo trabalho como montador, assume com segurança a direção. Existe
uma constância em contar a trajetória de Bingo aos poucos. O espectador é
inserido na trama sem pressa. O diretor trabalha a previsibilidade existente na
narrativa de forma envolvente e explora os conflitos do protagonista causando
empatia no público. O terceiro ato e o arco de Domingos Montagner fogem do equilíbrio
presente no restante do filme causando ruídos que prejudicam de forma quase imperceptível a constância da narrativa. Outro aspecto relevante é o cuidado
com a direção de arte, de Cassio Amarante, ao reconstituir o período em que a
trama se desenvolve. Os detalhes com os objetos cênicos, carros e figurino
corroboram para enaltecer a mise-em-scène.
Vários momentos
explorados pelo roteiro de Luiz Bolognesi dentro da narrativa fortalecem a
figura paterna de Augusto Mendes. O gesto marcante de pai e filho ao tocarem no
nariz um do outro reforça o nariz repleto de significados do palhaço. Mesmo que
em alguns momentos o drama fique forçado na cobrança pela presença ou ausência
do pai, esses momentos servem para humanizar e nos distanciar do personagem
Bingo. O desenvolvimento do arco dos coadjuvantes evidencia o ser humano e mais
uma vez retrata a dura realidade do universo artístico. Martha Mendes é o
exemplo claro do que acontece com diversos atores que caem no esquecimento e
são substituídos por rostos joviais. O roteiro explora e critica com
propriedade os bastidores dos estúdios de TV e o drama vivido pelos artistas.
Bingo - O Rei das
Manhãs apresenta ao espectador a figura além do palhaço que tinha uma maneira
irreverente e inovadora de entreter crianças. Para competir com a apresentadora
loira e seminua do canal concorrente era preciso lidar com a pressão e acima de
tudo ter talento. O filme evidencia o lado artístico vivido pelo palhaço Bingo
e com igual equilíbrio reforça o outro lado da moeda, a humanidade de Augusto
que viveu intensamente a carreira e resgatou laços afetivos perdidos nos palcos
da vida.
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