Escrever sobre Minari é buscar a sensibilidade do cinema de Yasujiro Ozu, ou para os críticos apaixonados pela filmografia do cineasta, vale exaltar o grau de intimidade com três letrinhas:
OZU. Lee Isaac Chung transborda Ozu em diversas cenas para transmitir com movimentos simples de câmera os conflitos internos dos personagens. Não existe a referência direta do ângulo baixo de Ozu, porém o envolvimento do espectador com a narrativa é muito próximo do diretor japonês. Lee proporciona ao público uma visão intimista do cotidiano e da realidade de muitas famílias coreanas. Assim como Ozu explorava os núcleos familiares, Lee foca na própria infância para filmar seu primeiro longa, que intensifica a linha entre a dura realidade e o sonho de uma vida melhor.
Na trama Jacob e Monica vivem em constante conflito em busca da estabilidade financeira. Ele é o sonho; Ela é a razão. Uma balança que busca o equilíbrio em meio ao caos. Jacob muda com a família para o interior dos Estados Unidos com o desejo de conseguir viver do que planta na fazenda. Ele decide começar do zero sem ao menos saber se a terra é boa para o plantio. Monica, sempre com os pés no chão, não consegue incentivar o marido, pois a doença do filho caçula é a maior preocupação. Aos poucos, Lee apresenta o arco dos personagens sempre explorando as diferenças entre eles. A chegada da avó aproxima ainda mais o espectador da trama. Se o conflitos do casal são mais tensos, os de David e Soonja proporcionam leveza e comicidade ao longa. Não é fácil escutar o pequeno dizer: " Ela tem um cheiro estranho", " Eu gostaria de ter uma avó de verdade", porém, com todo o cuidado, Lee estabelece uma bela relação de afeto entre ambos. A filha mais velha ainda carrega a responsabilidade de ter que cuidar do irmão e afazeres domésticos, outra fonte de Ozu. Em uma cena tocante, Monica reconhece o peso da responsabilidade que a filha carrega, mas se o casal tivesse somente David, a trama ficaria mais enxuta. Outro personagem que destoa completamente dos demais é Paul. Enquanto a simplicidade das relações familiares envolvem o espectador, o fanatismo de Paul fica completamente deslocado na trama.
Steven Yeun é conhecido no cenário internacional, mas como era de se esperar, na Academia, os passos são de formiguinha. O reconhecimento veio de forma tardia, com uma indicação ao Oscar de melhor ator principal. Enfim, o trabalho de Yeun no filme, Em Chamas, chamou a atenção em festivais internacionais e poderia ter o reconhecimento merecido. O que fez Steven receber uma indicação é a introspecção do sofrimento que o ator apresenta em cada cena com medo de fracassar. E a sensibilidade no olhar que demonstra todas as emoções possíveis? É demais para o coração do espectador. Outra indicação, na categoria de atriz coadjuvante, mais do que merecida é da veterana Yuh- Jung Youn, responsável pela reviravolta na trama. Como a atriz se porta em decorrência de um contecimento é comovente.
O olhar de Lee transborda sensibilidade e ganha autoria ao ressaltar o plano aberto em algumas cenas. O diretor toma as rédeas da autoria e proporciona um distanciamento da fonte de Ozu. Como os personagens moram em um trailer, os cômodos são apertados e os confrontos ganham planos fechados. Os planos abertos ressaltam a solidão de Jacob. O protagonista sempre está só nos momentos de angústia enfatizando também o distanciamento físico de Monica. Acredito que Lee poderia refletir: Obrigado pela inspiração Ozu. Agora, Minari transborda sensibilidade por onde passa. Aprendi com o melhor.
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