Pular para o conteúdo principal

A solidão do mundo contemporâneo (Em Chamas)


O sol e a solidão. Ambos estão presentes na vida de Jong, Ben e Hae-mi. Jong é um jovem recém- formado em escrita criativa que nutri sentimentos conflitantes pela família. O pai precisa prestar contas com a justiça por agressão e a mãe o abandonou ainda pequeno. Hae-mi também é uma jovem que cativa todos ao seu redor com um jeito todo peculiar de ser. Já Ben sente o vazio imenso por ter tudo e ao mesmo tempo não ter nada. Quando Hae-mi entra na vida de Jong, a primeira metáfora é estabelecida no filme: o sol penetra na parede do quarto da jovem, assim como a troca de calor dos corpos no ato sexual de Jong e Hae-mi. Após voltar de uma viagem da África, a jovem conhece Ben e o triângulo amoroso está formado. 

Em Chamas possui força e envolvimento do espectador pelas atuações que impulsionam a trama. O trio estabelece uma forte conexão com características e nuances que refletem a solidão dos protagonistas. Ah- In Yoo é o que possui mais tempo de tela e explora Jong de forma visceral. A entrega do ator para o papel é envolvente e instiga o espectador para descobrir junto do protagonista os questionamentos presentes no roteiro. Os sentimentos estão à flor da pele e Jong é um misto de fascínio, raiva e impulsividade. O oposto pode ser visto na interpretação de Steven Yeun como Ben. De forma mais contida, o ator trabalha o mistério na aura do protagonista. Ele mescla leveza e melancolia com a mesma intensidade. O mistério é fundamental para explorar as camadas presentes no personagem e atinge em cheio o espectador. Já Jong-Seo Jun é um achado que cativa a todos. Sua estreia e entrega intensificam a atmosfera de encantamento e profunda tristeza com toque de humor para a encantadora Hae-mi. O trio consegue em vários momentos ao longo do filme atingir o espectador pelo sentimento que os une: a solidão. 

O roteiro do também diretor Lee Chang- Dong enfatiza elementos ao longo da trama que remetem ao título. Jong sonha com Hae-mi e sua infância conturbada. Os sonhos com a personagem refletem a ardência de corpos, o ato sexual se faz presente. Já quando o protagonista volta no tempo, o fogo é um elemento constante. O isqueiro é um objeto cênico importante na trama. Ele estabelece a união do trio em uma bela cena ao por do sol. O roteiro de Lee Chang- Dong explora diversas camadas dos personagens enfatizando na metade do segundo ato a aura de suspense envolvendo o trio. A entrada de Ben na trama e o desaparecimento de Hae-mi reforçam essa atmosfera. A transformação contínua dos personagens atinge o espectador que a princípio pode não compreender muito os rumos da narrativa. Com a presença de Ben, o filme ganha diferentes contornos e conflitos. Além da solidão e camadas dos protagonista, o diretor reforça no roteiro a falta de rumo principalmente ao ressaltar questionamentos importantes sobre a imigração, situação econômica do país e o distanciamento das famílias. Tudo é explorado no devido momento para gerar o envolvimento no espectador. 


 A fotografia alterna paletas de cores quentes quando os personagens estão juntos e cores frias em momentos de introspecção do trio. O design de produção reflete a falta de rumo dos personagens. O apartamento de Hae-mi é extremamente desorganizado dialogando com a inconstância de sentimentos da personagem que ora está triste, ora está feliz. Ben possui um apartamento luxuoso e simétrico, tudo na mais perfeita organização, o que dialoga perfeitamente com a melancolia do protagonista. Já Jong não possui um lugar fíxo, ou seja, mora temporariamente na casa do pai, enfatizando a total falta de rumo e busca por respostas pela ausência de Hae-mi. Outro elemento narrativo que instiga o envolvimento do espectador é a montagem que auxilia no suspense gradativo e nas camadas dos personagens. A montagem proporciona um ritmo mais lento para a trama. O que também gera uma forte mudança de atmosfera e provoca o envolvimento do espectador é a trilha sonora que instiga a tensão principalmente na metade do segundo ato quando Jong tenta ligar os pontos e compreender o sumiço de Hae-mi. 

Em Chamas reforça o envolvimento do espectador principalmente pela mudança de atmosfera presente na metade do segundo ato. A presença melancólica de Ben e o desaparecimento de Hae-mi proporcionam ao roteiro camadas intensas dos personagens. Os elementos narrativos também dialogam perfeitamente com o sentimento de angústia e solidão que o trio sente durante toda a trama. Lee Chang-Dong explora no roteiro temáticas atuais e enfatiza a riqueza presente na personalidade de cada protagonista. A falta de rumo de Jong, a depressão de Hae-mi e o carisma melancólico de Ben dialogam perfeitamente com a solidão presente no mundo contemporâneo.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

E o atendente da locadora?

Tenho notado algo diferenciado na forma como consumimos algum tipo de arte. Somos reflexo do nosso tempo? Acredito que sim. As mudanças não surgem justamente da inquietação em questionar algo que nos provoca? A resposta? Tenho minhas dúvidas. Nunca imaginei que poderia assistir e consumir algum produto em uma velocidade que não fosse a concebida pelo autor. A famosa relíquia dos tempos primórdios, a fita VHS, também nos aproximava de um futuro distópico, pelo menos eu tinha a sensação de uma certa distopia. Você alugava um filme e depois de assistir por completo, a opção de retornar para a cena que mais gostava era viável. E a frustração de ter voltado demais? E de não achar o ponto exato? E o receio de estragar a fita e ter que pagar outra para o dono da locadora? Achar a cena certinha era uma conquista e tanto. E o tempo...bom, o tempo passou e chegamos ao DVD. Melhoras significativas: som, imagem e, pasmem, eu poderia escolher a cena que mais gostava, ou adiantar as que não apreciav...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...

Uma provável franquia (Histórias Assustadoras para Contar no Escuro)

Um grupo de amigos que reforça todos os estereótipos possíveis, a curiosidade que destaca os laços da amizade, uma lenda sobre uma casa assombrada e desaparecimentos constantes. Histórias Assustadoras para Contar no Escuro apresenta uma trama previsível repleta de referências à filmes  e séries lançadas recentemente como It: A Coisa e Stranger Things. É a velha cartilha de Hollywood: se deu bilheteria em um estúdio à tendência é repetir a dose. Apesar dos elementos e trama repetitivos, sempre vale a pena assistir novos atores surgindo e diretores principiantes com vontade de mostrar trabalho. É o que acontece neste filme produzido e roteirizado por Guilhermo Del Toro . Nada de muito inovador no gênero, o jumpscare reina, porém com o olhar criativo da direção e uma nova geração afiada, o filme ganha o envolvimento do espectador.  O roteiro gira em torno de um grupo de amigos excluídos que finalmente tomam coragem para enfrentarem os garotos mais valentes. Assustados, o ...