Sofia Coppola é mais um nome de peso que estabelece parceria com os serviços de streaming. O mercado sofreu nos últimos anos e com a pandemia algumas mudanças surgiram para resignificar o que chamamos de "indústria cinematográfica". O filme de Sofia Coppola ganha estreia na Apple TV+ reforçando a troca da tela grande por uma bem menor. Se o mundo cinematográfico mudou de forma mais intensa por conta do vírus, um aspecto permanece intacto: a sensação de leveza que a diretora proporciona ao espectador.
Na trama Laura vive um bloqueio criativo típico de muitas escritoras e ainda precisa dar conta da casa e educação das filhas. O marido vive em reuniões de trabalho e quase não a escuta. É neste momento que entra a figura paterna, para amparar a filha e propor uma mini investigação. Félix e Laura seguem os passos de Dean e entre jantares e uma viagem inesperada resgatam sentimentos adormecidos do passado. O roteiro de Sofia toca em subtramas corriqueiras como levar a filha mais velha para a escola, escutar o desabafo de outras mães, olhar para a tela em branco do computador e procrastinar até enfrentar os problemas de frente, tudo focado no olhar feminino. Porém, o que movimenta os atos é o relacionamento entre pai e filha. Laura guarda mágoas e não consegue perdoar o pai pelas traições e sofrimentos causados na família. Sofia desenvolve diálogos que inserem constantemente o espectador na trama. Apesar de existir uma sensação de que nada acontece na trama, o nada mais é do que a rotina. Qual é a rotina que possui reviravoltas ?
Cada diretor possui um ator coringa, aquele que confia para conduzir a narrativa. Aqui quem rouba a cena é Bill Murray como conhecedor do universo feminino. Interessante destacar que o fato de Bill ser a força do filme exalta ainda mais o olhar feminino, Félix praticamente apresenta uma tese de mestrado sobre o comportamento de cada mulher. A ironia é constatar que apesar de deter tamanho conhecimento, ele afastou as mulheres mais importantes de sua vida. Bill transborda carisma transmitindo a sensação de não fazer o mínimo esforço na composição de Félix. É Bill no melhor estilo Bill de ser. Já Rashida Jones intensifica o olhar melancólico de Laura. O cansaço é sentido em cada cena. O contraste entre a empolgação de Bill e a melancolia de Rashida intensifica a química entre os atores e auxilia no ritmo presente na narrativa. Sofia não tem pressa ao conduzir e apresentar os conflitos dos personagens, o que poderia afetar consideravelmente o ritmo, porém o trabalho dos atores é o responsável pela cadência do elemento narrativo.
Sofia mantém a sensibilidade e leveza ao explorar gestos simples dos personagens proporcionando reflexões ao espectador. Quando Laura guarda o relógio do pai e começa a usar o novo que ganhou do marido, a diretora nos faz refletir que a protagonista está em paz com o passado e começa a focar no recomeço. Sofia prolonga o desfecho com um encontro significativo: o pai continua na rotina de viagens com a sensação que a filha vai ficar bem na sua ausência e a filha segue compreendendo que o pai vai estar ali quando necessário. Tudo normal e rotineiro com uma pequena reviravolta : a troca de relógios.
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