Pular para o conteúdo principal

Leve como uma pena (Forrest Gump)


 

Quando assisti Forrest Gump pela primeira vez fiquei com uma sensação que me tocou profundamente durante o filme: a leveza. Tudo na narrativa reflete esse aspecto e o espectador consegue sentir-se próximo da pena que é levada pelo vento durante as mais de duas horas em que temos a companhia do protagonista. Na trama Forrest possui limitações que nunca o impediram de conquistar muitos feitos no decorrer dos anos. As conquistas sempre foram impulsionadas pelo acaso e pela presença da mãe que ressaltava:"Nunca deixe que os outros digam que você não é capaz". Como Forrest seguia tudo que a mãe dizia como um mantra, ele nunca fez muito esforço para conquistar seus feitos, as circunstâncias aconteciam e o protagonista somente obedecia ordens, mas quando o chamavam de idiota, os dizeres da figura materna o guiavam seguido da frase : "Idiota é quem faz idiotice".

O roteiro explora acontecimentos marcantes dos Estados Unidos pelo olhar de Forrest. Desde um breve encontro com o futuro astro do rock que literalmente aprendeu a dançar com o protagonista, até a polêmica visão romanceada da Guerra do Vietnã. Na primeira cena o espectador adota a postura do ouvinte e escuta Forrest simplesmente relatar os acontecimentos da trama. Algumas subtramas são leves como o amor de infância e a ternura da mãe. Agora, querer que esse mesmo olhar modifique quando a subtrama é mais densa seria incoerente com a postura de Forrest. Claro que mesmo que o espectador tenha o mínimo conhecimento sobre a postura dos Estados Unidos na guerra, cobrar um posicionamento elaborado de Forrest é, no mínimo, equivocado. Forrest possui um olhar infantil e foi na guerra que ele conheceu o valor da amizade, "Até eu sei que não é fácil encontrar um verdadeiro amigo." A visão de Forrest é coerente com o arco do protagonista que se deixava levar como a pena. Mas o roteiro não deixa de explorar de forma pessimista e realista os coadjuvantes. Apesar do amor que Forrest tem por Jenny, a vilã vivida por Robin Wright ,o espectador não é poupado dos acontecimentos drásticos da personagem. O que para Forrest era um carinho paterno, para a pequena Jenny, era pedofilia. E, assim, o espectador acompanha o lado realista dos acontecimentos, mesmo que ainda siga com o olhar terno do protagonista.  

A leveza acompanha o espectador também nos elementos narrativos. Ao analisar o figurino do protagonista, a cor azul sempre está presente ressaltando a inocência de Forrest. Nos coadjuvantes o figurino é repleto de cores suaves quando estão próximos de Forrest. Sempre que Jenny o reencontra o branco e bege são fundamentais. Já a figura materna utiliza uma cor mais densa quando troca a permanência do filho na escola pelo ato sexual com o diretor. Tenente Dan é o coadjuvante mais denso da trama, portanto, o figurino é voltado para o marrom escuro. Quando Dan reencontra Forrest no casamento o terno ganha uma cor branda. Outro elemento que ressalta a leveza da narrativa é a trilha sonora que emociona o espectador em diversos momentos.

Impossível não falar de Forrest sem mencionar a interpretação de Tom Hanks. O ator transborda carisma e faz com que o espectador esqueça as limitações do protagonista. A leveza que Hanks empresta para Forrest permanece até hoje no imaginário da cultura pop. Trejeitos, o modo de falar, andar e a aura inocente do ator movem a narrativa. A disputa pela estatueta dourada foi acirrada em 1995, mas não há como negar que Hanks foi feito para o papel e que dificilmente outro ganharia o Oscar. A direção de Robert Zemeckis intensifica ainda mais a interpretação de Hanks. Existe um equilíbrio entre o ritmo contemplativo e dinâmico que Robert imprime na narrativa. Os anos passam e não sentimos o peso do filme. As subtramas são delicadas, principalmente para Robin Wright que está intensa como Jenny, mas Robert conduz a narrativa com um olhar extremamente sensível. No desfecho nos despedidos de um querido amigo que se deixou levar pelo vento leve como uma pena.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Isso parece uma novela" (Bad Boys Para Sempre)

O começo de Bad Boys Para Sempre é basicamente um resgate do primeiro filme dirigido por Michael Bay. Mike e Marcus estão em um carrão em alta velocidade trocando ofensas e piadas enquanto percegue suspeitos. Além de todas as referências, a trama gira em torno de vingança, uma vingança mexicana. Sim, os vilões são mexicanos. Bandidos de um lado, policiais do outro e segredos revelados.  Will Smith sabe como lucrar na indústria, apesar de algumas escolhas equivocadas em projetos passados, Bad Boys Para Sempre parece uma aposta acertada do produtor. Desde o primeiro longa a química entre os atores é o que move a trama e na sequência da franquia não seria diferente. Martin e Will são a ação e o tom cômico da narrativa. Os opostos são explorados de forma intensa. Martin está mais contido com a chegada do neto e Will na intensidade de sempre. As personalidades se complementam apesar da aposentadoria momentânea de Marcus. Tudo ganha contornos diferenciados quando a família em to...

O Mito. A lenda. O Bicho-Papão. (John Wick : Um Novo Dia Para Matar)

Keanu Reeves foi um ator que carregava consigo o status de galã nos anos 80. Superado o estigma de ser mais um rosto bonito em Hollywood, o que não se pode negar é a versatilidade do astro ao escolher os personagens ao longo de décadas. Após a franquia Matrix, Keanu conquistou segurança ao poder escolher melhor os personagens que gostaria de interpretar. John Wick é o novo protagonista de uma franquia que tem tudo para dar certo. Um ator carismático que compreendeu a essência do homem solitário que tinha com companhia somente um cachorro e um carro. Após os eventos do primeiro filme, De Volta ao Jogo, Keanu retorna com John Wick repetindo todos os aspectos narrativos presentes no filme de 2014, mas com um exagero que faz a sequência ser tão interessante quanto o anterior. O protagonista volta aos trabalhos depois de ter a casa queimada. Sim, se as motivações para toda a ação presente no primeiro filme eram o cachorro e um carro, agora, o estopim é uma casa. Logo na primeir...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...