Pular para o conteúdo principal

As migalhas do roteiro (Maria e João: O Conto das Bruxas)


Com inúmeras adaptações, o clássico dos Irmãos Grimm, João e Maria, ganha novamente as telas. A ideia de somente inverter a posição dos nomes tornando a premissa feminina poderia ser vista com bons olhos se o roteiro não fosse tão raso. Alguns elementos do clássico são mantidos, porém, o protagonismo é da irmã mais velha. Com a morte do pai, a mãe de Maria não consegue sustentar a família e expulsa os filhos deixando-os sem rumo. Perambulando pela floresta famintos, os irmãos encontram uma senhora que os abriga e Maria descobre que a normalidade do local pode guardar muitas surpresas.

Maria e João: O Conto das Bruxas aposta na atmosfera para provocar a imersão no espectador, porém, o roteiro aborda subtramas além da trama central e não consegue desenvolver nenhuma por completo. O primeiro ato consegue manter a atenção do espectador com a narração em off. Quando a trama é voltada para o desenvolvimento da protagonista, o filme se perde com frases soltas de impacto raso. João passa a maior parte do tempo reclamando de fome e querendo permanecer na casa. Maria percebe que algo estranho acontece e de maneira simplória e repleta de interrupções o roteiro tenta aprofundar os conflitos internos da protagonista. Vale mencionar que a figura da Bruxa é extremamente superficial, cabe a ela mencionar frases de efeito forçado na tentativa de intensificar o terror na narrativa. No terceiro ato, o roteiro expositivo explora novamente a narração em off para justificar as atitudes da Bruxa. A premissa é interessante e dialoga com as temáticas atuais femininas, mas peca de maneira considerável causando cansaço no espectador.


A todo o momento que Sophia Lillis está em cena a comparação com Mia Farrow em O Bebê de Rosemary torna-se inevitável. Lillis ainda vai além porque consegue tirar leite de pedra entregando uma protagonista abalada psicologicamente por traumas e que transmite no olhar de forma contida toda a emoção necessária para Maria. Já Alice Krige está dentro do estereótipo com o timbre arrastado e grave para a Bruxa. O problema é novamente o roteiro que não proporciona o material necessário para as atrizes intensificarem as interpretações. Samuel Leakey preenche as lacunas de um coadjuvante irritante.

O elemento narrativo que auxilia na imersão do espectador é o desing de produção. Os detalhes sombrios do primeiro ato, na casa de Maria e, posteriormente, na casa da Bruxa, são atrativos para que o público compre ao menos de maneira superficial a narrativa. A fotografia com cores quentes surge principalmente nas conversas de Maria com a Bruxa. Nos momentos mais tensos a fotografia apresenta uma paleta mais fria. A trilha também é um elemento forte e psicodélico que surge durante os atos para trabalhar a imersão do espectador. Diferente dos elementos mencionados, a direção explora ao máximo os closes, primeiro plano e a centralização dos personagens na mise- em -scène, mas Osgood Perkins peca ao pesar a mão na direção. Não existe fluidez nas cenas e o cansaço é sentido nos momentos de clímax da trama. Assim como no conto dos Irmãos Grimm, os irmãos jogavam migalhas pelo caminho, no filme, o espectador se contenta com as migalhas apresentadas no roteiro.  

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Isso parece uma novela" (Bad Boys Para Sempre)

O começo de Bad Boys Para Sempre é basicamente um resgate do primeiro filme dirigido por Michael Bay. Mike e Marcus estão em um carrão em alta velocidade trocando ofensas e piadas enquanto percegue suspeitos. Além de todas as referências, a trama gira em torno de vingança, uma vingança mexicana. Sim, os vilões são mexicanos. Bandidos de um lado, policiais do outro e segredos revelados.  Will Smith sabe como lucrar na indústria, apesar de algumas escolhas equivocadas em projetos passados, Bad Boys Para Sempre parece uma aposta acertada do produtor. Desde o primeiro longa a química entre os atores é o que move a trama e na sequência da franquia não seria diferente. Martin e Will são a ação e o tom cômico da narrativa. Os opostos são explorados de forma intensa. Martin está mais contido com a chegada do neto e Will na intensidade de sempre. As personalidades se complementam apesar da aposentadoria momentânea de Marcus. Tudo ganha contornos diferenciados quando a família em to...

O Mito. A lenda. O Bicho-Papão. (John Wick : Um Novo Dia Para Matar)

Keanu Reeves foi um ator que carregava consigo o status de galã nos anos 80. Superado o estigma de ser mais um rosto bonito em Hollywood, o que não se pode negar é a versatilidade do astro ao escolher os personagens ao longo de décadas. Após a franquia Matrix, Keanu conquistou segurança ao poder escolher melhor os personagens que gostaria de interpretar. John Wick é o novo protagonista de uma franquia que tem tudo para dar certo. Um ator carismático que compreendeu a essência do homem solitário que tinha com companhia somente um cachorro e um carro. Após os eventos do primeiro filme, De Volta ao Jogo, Keanu retorna com John Wick repetindo todos os aspectos narrativos presentes no filme de 2014, mas com um exagero que faz a sequência ser tão interessante quanto o anterior. O protagonista volta aos trabalhos depois de ter a casa queimada. Sim, se as motivações para toda a ação presente no primeiro filme eram o cachorro e um carro, agora, o estopim é uma casa. Logo na primeir...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...