Pular para o conteúdo principal

E a emoção? (O Farol)


O diretor Robert Eggers em O Farol segue uma lista e entrega ao espectador um filme tecnicamente impecável. Cada cena é um colírio para os olhos e realizar o projeto com a fotografia em preto e branco potencializa ainda mais o preciosismo do diretor. No longa, Thomas Wake e Ephraim Winslow são responsáveis por cuidar de um farol isolado. Thomas contrata Ephraim para ajudá-lo e aos poucos ambos começam a travar uma luta de egos e masculinidade. Tudo é explorado aos poucos para que a relação entre os protagonistas tenha força e consiga mover a trama. A premissa é simples, porém, repleta de significados mitológicos, filosóficos e principalmente de superação de traumas. Thomas possui uma ruptura familiar e Ephraim procura constantemente a afeição paterna. 

A impressão que o filme passa ao longo dos atos é que Robert elaborou uma lista com tópicos a serem seguidos. Cada tópico realizado com êxito significava um "check" na lista do diretor. Realizar o filme com uma razão de aspecto diferenciada proporciona ao espectador a sensação de enclausuramento e contribui para a loucura da dupla. Mesmo quando o personagem de Robert Pattinson realiza os trabalhos fora da casa, o diretor sempre opta pelo primeiro plano ou close para não perder a sensação e sentimento de aprisionamento do personagem. O Farol é um filme de atuações e Robert conduz a narrativa priorizando o trabalho dos atores. Os closes remetem de forma intensa o expressionismo alemão proporcionando ao filme uma atmosfera tensa principalmente com o jogo de sombras dos protagonistas. Em algumas cenas fica clara a homenagem aos diretores Kubrick e Hichcock. Kubrick pelo machado; Hichcock pelas escadas. Não há como negar que tudo no longa reflete o cuidado do diretor em proporcionar ao espectador um filme extremamente autoral. 

Mas não vamos esquecer dos tópicos da lista. O próximo é o trabalho de edição de som e trilha. Como o local é também o protagonista, pois é nele que a loucura é sentida pela dupla, os som emitidos pelas gaivotas e farol contribuem para o tormento de Ephraim. Thomas pertence ao local e o farol é praticamente um alimento para o corpo e alma de Willem Dafoe. Já os sons emitidos são um tormento para Pattinson. O trabalho da edição de som é fundamental para que o espectador sinta que o farol está presente a todo o momento na rotina dos personagens. Além do trabalho forçado de Thomas que potencializa ainda mais a presença do elemento narrativo. A trilha é composta por elementos que lembram sons mitológicos simulando gritos explorados constantemente em cenas da dupla.   


Talvez o ponto mais importante da lista de Robert seja o trabalho dos atores. Impossível dizer que se trata do melhor trabalho de Willem Dafoe, pois a cada personagem o ator possui uma entrega fora do comum. Não é tarefa difícil afirmar que Willem é um dos mais versáteis e competentes atores de Hollywood. Aqui a entrega do ator é intensa proporcionando monólogos dignos de premiações. Agora, não existem dúvidas ao afirmar que este é o trabalho mais impactante da carreira de Pattinson. A entrega do ator é tamanha que o espectador esquece completamente que Hollywood um dia insistiu no rótulo de galã para o ator. A entrega é física e psicológica. Na lista do diretor a escolha do elenco também foi um ponto preenchido com louvor. 

O roteiro que instiga o espectador é claramente um dos pontos fundamentais na lista do diretor. Interessante com Robert toca em diversas temáticas para explorar a superação de traumas familiares. Thomas é a solidão e Ephraim a aceitação paterna. O farol reflete a busca por novas identidades. Thomas encontra no objeto um alimento nocivo para a alma e corpo. Já Ephraim busca preencher um vazio existencial que somente faz sentido se descobrir o que existe no farol. Claro, a loucura dos protagonistas proporciona indagações e reflexões no espectador após o término do filme. Mitologia, filosofia, lulas, gaivotas, sereia e loucura são os tópicos presentes na lista do roteiro de Robert. Tudo muito preciso e calculado. Porém é nesse tópico da lista que o diretor peca. O preciosismo de Eggers fica evidente em cada detalhe refletindo a autoria em detrimento da narrativa. Se ambas caminhassem juntas, a lista de Robert estaria completa. Na ausência do tópico fundamental que move o cinema, Robert demonstra que não basta apresentar um filme tecnicamente impecável se não existe um motor chamado emoção.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Isso parece uma novela" (Bad Boys Para Sempre)

O começo de Bad Boys Para Sempre é basicamente um resgate do primeiro filme dirigido por Michael Bay. Mike e Marcus estão em um carrão em alta velocidade trocando ofensas e piadas enquanto percegue suspeitos. Além de todas as referências, a trama gira em torno de vingança, uma vingança mexicana. Sim, os vilões são mexicanos. Bandidos de um lado, policiais do outro e segredos revelados.  Will Smith sabe como lucrar na indústria, apesar de algumas escolhas equivocadas em projetos passados, Bad Boys Para Sempre parece uma aposta acertada do produtor. Desde o primeiro longa a química entre os atores é o que move a trama e na sequência da franquia não seria diferente. Martin e Will são a ação e o tom cômico da narrativa. Os opostos são explorados de forma intensa. Martin está mais contido com a chegada do neto e Will na intensidade de sempre. As personalidades se complementam apesar da aposentadoria momentânea de Marcus. Tudo ganha contornos diferenciados quando a família em to...

O Mito. A lenda. O Bicho-Papão. (John Wick : Um Novo Dia Para Matar)

Keanu Reeves foi um ator que carregava consigo o status de galã nos anos 80. Superado o estigma de ser mais um rosto bonito em Hollywood, o que não se pode negar é a versatilidade do astro ao escolher os personagens ao longo de décadas. Após a franquia Matrix, Keanu conquistou segurança ao poder escolher melhor os personagens que gostaria de interpretar. John Wick é o novo protagonista de uma franquia que tem tudo para dar certo. Um ator carismático que compreendeu a essência do homem solitário que tinha com companhia somente um cachorro e um carro. Após os eventos do primeiro filme, De Volta ao Jogo, Keanu retorna com John Wick repetindo todos os aspectos narrativos presentes no filme de 2014, mas com um exagero que faz a sequência ser tão interessante quanto o anterior. O protagonista volta aos trabalhos depois de ter a casa queimada. Sim, se as motivações para toda a ação presente no primeiro filme eram o cachorro e um carro, agora, o estopim é uma casa. Logo na primeir...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...