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Um clássico imortal para o espectador (O Iluminado)


Stanley Kubrick foi um diretor visionário e extremamente versátil. Após realizar Barry Lyndon, Kubrick adaptou o terror de Stephen King, O Iluminado. Com o lançamento do filme na década de 80, o público foi surpreendido por um terror psicológico com foco na gradação da loucura de Jack Nicholson. Na trama, Jack Torrance é convidado para cuidar de um hotel enquanto fica isolado do mundo para escrever um livro. O protagonista passa meses sem contato externo e a atmosfera gélida logo começa a afetar o relacionamento com a família. Já no primeiro ato o espectador sabe que o pequeno Danny tem como companhia um amigo imaginário. Na realidade a criança possui um comportamento catatônico, o pequeno constantemente entra em transe quando é atormentado por visões sobre acontecimentos estranhos com antigos hóspedes do hotel. Ao longo dos atos o espectador acompanha a degradação emocional da família Torrance.

Kubrick sempre foi conhecido por ser um diretor perfeccionista. Para que o terror psicológico envolvesse por completo o espectador era preciso que o elenco entregasse toda a carga dramática necessária. Jack Nicholson já era um ator consagrado em Hollywood e com Um Estranho no Ninho no currículo o papel de Jack Torrance era perfeito para o ator. Durante os atos Jack Nicholson transmite uma alternância entre loucura e estabilidade emocional. A cada cena o ator trabalha com a apreensão do espectador para que no terceiro ato a loucura venha à tona. O que não acontece com o trabalho de Shelley Duvall. A atriz alterna momentos de lucidez e caos. A única personagem centrada do trio, a única que percebe que algo estranho acontece com o comportamento do marido e do filho. A atriz precisava transmitir durante todo o filme a estabilidade e salvar a vida do pequeno Danny. A questão é que o ouveracting presente no trabalho da atriz incomoda em vários momentos causando um ruído constante em reviravoltas da trama. Enquanto Jack surta de forma "equilibrada" tentando matar a esposa com um machado, a atriz beira à histeria do outro lado da porta. Agora, o trabalho realizado por Kubrick com Danny Lloyd é intenso e move o terror gráfico da trama. A tensão existente na interpretação do pequeno ator é angustiante. O olhar e o timbre diferenciado na voz do pequeno garoto são elementos do arco do personagem que acrescentam motivação no espectador em acompanhar os acontecimentos da trama. Além de Danny, Dick também apresenta visões e orienta o espectador na compreensão de que seria uma pessoa Iluminada. Scatman Crothers apresenta uma interpretação próxima da normalidade estabelecendo um equilíbrio necessário entre os personagens.  

Falar de Kubrick na direção é reforçar para o público a precisão em cada cena. O cuidado do diretor em explorar cada detalhe no domínio ao compor a mise-en-scène transborda autoria também presente nos elementos narrativos. A forma com que o diretor transforma o hotel em protagonista ao intensificar e fazer os atores transitarem por cada cômodo é de encher os olhos do espectador. Seja na solidão em um plano geral onde o protagonista está centralizado escrevendo seu livro ou no triciclo do pequeno Danny que percorre os corredores repletos de simetria e cores intensas. A direção de Kubrick presa principalmente pelo close e zoon in nos atores em cena. O close reforça a loucura dos personagens, em especial, as transições emocionais de Jack Nicholson. O zoon in ressalta a criação da atmosfera em momentos cruciais no roteiro voltado principalmente para o personagem de Danny. O ritmo é contemplativo dialogando perfeitamente com a atmosfera criada pelo diretor. Outro elemento narrativo que surge logo no começo dos créditos e que acompanha o espectador durante todo o filme é a trilha sonora. A composição destaca vários sons incômodos que auxiliam perfeitamente no terror e na tensão entre os personagens. 


Kubrick levou ao espectador um misto de tensão e expectativa em uma narrativa que aumenta a gradação do terror psicológico. Ser conduzido pela movimentação de câmera proposta por Kubrick insere automaticamente o espectador na atmosfera do filme. A imersão e como o diretor explora cada cômodo do hotel é de um domínio raramente proposto na sétima arte. Kubrick propõe a simetria em momentos significativos para o protagonista e explora ao máximo a interação do espectador ao criar uma atmosfera tensa até o desfecho ao propor o zoon out em uma fotografia. O domínio de Kubrick refletido na autoria faz de O Iluminado um clássico imortal presente no imaginário do espectador. 

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