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A montagem e o distanciamento do espectador (Duas Rainhas)



Duas atrizes promissoras que tinham tudo para duelar em cena. A expectativa acompanha o espectador durante boa parte de Duas Rainhas. O título brasileiro provoca uma sensação desconfortável após o término da sessão. Duas Rainhas, mas o filme é todo de Saoirse Ronan. O título original é Mary Queen of Scots e faz jus à presença marcante da atriz. Tirando a confusão aqui no Brasil, a trama evidência o arco de Mary que após perder o marido decide voltar para a Escócia. O duelo entre as rainhas pelo poder logo é estabelecido para que o espectador acompanhe a trajetória das "protagonistas".

Mesmo com o equívoco do título, o espectador só tem a ganhar com a presença marcante de Saoirse. A atriz mostra a cada filme uma maturidade e domínio de cena preciso. Ela proporciona leveza e firmeza de forma equilibrada para Mary Stuart. Nos momentos mais tensos o arco da personagem é carregado pela dramaticidade da jovem atriz. Por outro lado o filme perde a força com a presença de Margot Robbie que não possui tempo de tela suficiente para explorar a intensidade de Elizabeth I. O que é uma pena, pois a atriz é digna dos olhos atentos do espectador. Um talento que passa despercebido ao longo dos atos. 

As indicações ao Oscar para maquiagem e figurino são sentidas em cada cena. Durante todo o filme é nítida a intensa preocupação ao transportar o público para a época retratada. Os figurinos ganham aspectos de coadjuvantes de luxo em vários momentos significativos da narrativa. Se a maquiagem foi fundamental para compor as personagens, o mesmo não acontece com a montagem. O ritmo lento se faz necessário para que o espectador acompanhe o jogo de poder e as intrigas dos personagens, porém, quando o foco é a vida amorosa de Mary, a montagem intensifica o ritmo e as cenas da protagonista com o marido transmitem a sensação de frieza. Com inúmeros cortes, as cenas provocam o afastamento do espectador. O lado afetivo das protagonistas é prejudicado consideravelmente pela montagem.


O roteiro equilibra de forma envolvente os coadjuvantes ao explorar o jogo de poder. Mary chega à Escócia e logo percebe que precisa exercer sua autoridade, mesmo que para isso precise confrontar o irmão. No jogo do poder tudo é válido e o roteiro articula com intensidade as relações entre os personagens para que fique claro quais peças e movimentos estratégicos precisam ser executados. A sensação é que mesmo com a presença coadjuvante de Elizabeth I no roteiro, a personagem de Margot poderia ganhar mais destaque e não ser explorada somente em momentos decisivos. 

Duas Rainhas explora com precisão o jogo de poder e envolve o espectador pela gradação desse jogo ressaltado no roteiro. O que prejudica em alguns momentos a narrativa é a montagem que afasta o espectador dos momentos afetivos vividos pelas rainhas. Esse elemento prejudica o lado humano das personagens e quebra um elo interessante com o público. Duas Rainhas envolve pelo roteiro, porém, a montagem reforça o distanciamento do espectador.

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