Dor e Glória gira em torno da vida de Salvador Mallo, diretor e escritor, que padece de diversas dores e que guarda ressentimentos do passado. O maior sucesso da carreira do diretor, Sabor, ganha uma versão remasterizada e coloca o protagonista frente a frente com um desafeto antigo. A batalha de egos afastou por décadas Salvador e Alberto. O reencontro não somente os reaproxima como também ressalta a iniciação de Salvador no mundo das drogas. Doses de heroína acalmam o protagonista e transportam o espectador diretamente para o passado de Salvador.
A autoria de Almodóvar está em cada cena de Dor e Glória. As cores vivas presente na direção de arte dialogam com o figurino dos personagens. Vermelho, amarelo e verde são cores que vestem o protagonista. Os objetos cênicos com destaque para traços modernos destacam a imersão de Salvador no mundo artístico. Por sofrer com enxaquecas constantes, o protagonista encontra na solidão e escuridão do quarto o vazio da depressão e alívio para dor. Outro destaque que surgem de forma pontual é a trilha sonora. O som de violinos e piano embalam a realidade e ficção da vida de Salvador. A trilha está presente em momentos significativos que altermam passado e presente do protagonista.
Impossível não analisar o roteiro de Almodóvar como um retrato pessoal. Salvador ser escritor e diretor reforça esse aspecto. O reflexo do diretor na pele de Salvador destaca uma abertura com o espectador que sempre esteve presente na filmografia do de Almodóvar. O interessante é que a energia nos diálogos presente em filmes anteriores dá espaço para a introspecção e melancolia. O estudo de personagem de Salvador é contemplativo e repleto de silêncios reveladores. A transição entre passado e presente é explorada no roteiro pelo arco bem desenvolvido dos coadjuvantes. Alberto é o elo com o presente e Frederico é o passado que retorna de forma terna e dura. A presença de Alberto no roteiro reforça o acerto de contas com o passado de forma mais abrupta e intensa. Já Alberto é a ternura do primeiro amor. O roteiro de Almodóvar equilibra passado e presente com o arco dos dois coadjunantes. A figura materna está presente, mas são os personagens masculinos que movem a trama. O que torna a trama um pouco cansativa quebrando o ritmo é o roteiro expositivo voltado para as doenças do protagonista. A explicação se faz desnecessária, pois o diretor explora os médicos que acompanham de perto as enfermidades do protagonista, além, é claro, da postura corporal de Antonio Bandeiras. Os personagens e o protagonista são suficientes para enfatizar as dores da alma e física do Salvador.
Além dos elementos narrativos, Antonio Bandeiras como Salvador também reforça o elo entre filme e espectador. O ator trabalha não somente o físico como também a alma do protagonista. Um olhar melancólico e vazio que sempre busca o sofrimento na transição do passado e presente. Já Asier ETxeandia interpreta Alberto com energia e explora uma vertente constante no mundo artístico: o ostracismo. Mas A luz que o filme necessitava está na presença de Leonardo Sbaraglia como Frederico. O personagem toca em momentos intensos do passado de Salvador. Incrível como o ator preenche a tela de forma intensa e sensível. Penélope Cruz é a figura materna sempre presente e significativa nos filmes do diretor. Para compreendermos o passado de Salvador a figura de Jacinta é fundamental.
Dor e Glória envolve o espectador pela montagem que o transporta para o passado e presente de Salvador. Com um ritmo contemplativo e diferenciado dos filmes do começo da carreira de Almodóvar, a trama não deixa de reforçar a autoria do diretor. Cores vibrantes, direção de arte marcante, trilha pulsante e personagens fortes. A figura materna sempre presente abre espaço para personagens masculinos intensos. Um dos filmes mais introspectivos do diretor que presta uma bela homenagem ao cinema e teatro. Não sabemos ao certo onde começa e termina a ficção de Dor e Glória. Uma trama tão distante da energia presente nos filmes do diretor, mas ao mesmo tempo tão próxima da alma de Almodóvar.
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