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Entre a atração e o distanciamento (A Vida em Si)


A Vida em Si tem uma protagonista que permeia toda a narrativa e proporciona um sentimento duplo no espectador: ao mesmo tempo que a montagem o atrai consegue com a mesma proporção o distanciar da trama. O filme é dividido em cinco capítulos. Os três primeiros são os que causam o distanciamento do espectador. Os demais instigam uma atração inesperada no público. A atração é resultado da montagem mais suave e que estabelece um ritmo diferenciado ao filme nos últimos capítulos. Mesmo que o recurso narrativo seja utilizado durante todo o filme, o ritmo torna-se diferenciado da metade do segundo ato até o desfecho.

A montagem torna-se protagonista pois alterna os arcos dos personagens e as subtramas dentro de uma trama maior. Abby e Will se conhecem na faculdade e o espectador acompanha o drama de Will durante dois capítulos. O personagem esteve internado por não suportar um trauma familiar e como sofre alguns devaneios, a montagem alterna os pensamentos do protagonista. Os devaneios de Will fazem a trama perder ritmo e o filme fica arrastado até chegar ao núcleo espanhol. A narrativa começa com o personagem de Samuel L. Jackson narrando uma subtrama tendo como foco um personagem aleatório que não acrescenta em nada na trama. Seria interessante se o roteiro de Dan Fogelman excluísse o personagem de Samuel e focasse diretamente em Cait e Will. Com dois atos arrastados, A Vida em Si atrai o espectador para dentro da trama muito pela força dos personagens presentes no terceiro ato. O amor vivido por Javier e Isabel transforma o filme de tal maneira que os elementos narrativos propostos nos primeiros capítulos ganham força nos demais. Se o filme fosse somente voltado para a subtrama de Abby e Will, a montagem causaria somente o afastamento do espectador. 

O elenco também proporciona a sensação de afastamento e atração no espectador. Nos dois primeiros capítulos, Oscar Isaac e Olivia Wilde alternam momentos importantes na trama como um todo. O ator consegue explorar as camadas propostas pelo personagem, mas a montagem faz com que a trama fique cansativa pelos devaneios de Will. São tantas subtramas propostas no núcleo de Nova York que ofusca a atuação do casal perdendo a química. Já no núcleo espanhol, Antonio Bandeiras e Sergio Peris - Mencheta enchem a tela de vida alternando os arcos dos personagens entre o mistério e o charme. Mr. Saccione é um livro aberto e a subtrama da vida do personagem causa atração imediata no espectador. Javier é puro mistério e quando abre o sorriso ganha por completo o espectador. O núcleo espanhol possui força para resgatar o interesse pelo restante do filme. Antonio e Sergio conseguem proporcionar uma atração isolada na subtrama proposta. 


Os elementos narrativos que afastam o espectador em um primeiro momento nos dois atos iniciais, no terceiro proporcionam uma atração forte no público. A montagem, fotografia e atuações são pulsantes no núcleo espanhol. A sensação que se tem durante o terceiro ato é que os elementos narrativos conduzem a narrativa de forma mais leve e ritmada. A fotografia com paletas de cores quentes embala o romance de Javier e Isabel. A montagem transforma a subtrama dos personagens de forma gradativa e embala a introdução dos demais personagens propostos. O recurso da montagem torna-se previsível no final do terceiro ato, pois o espectador compreende que o elemento narrativo irá ligar os núcleos, mas a reviravolta envolvendo o personagem de Antonio Bandeiras é intensa o suficiente para superar a previsibilidade. 

A Vida em Si exerce atração e distanciamento no espectador. A montagem auxilia a todo momento durante a narrativa, mas o elemento narrativo torna-se cansativo nos primeiros atos. O que não acontece no terceito, muito pela pulsão das interpretações de Antonio Bandeiras e Sergio Peris - Mencheta. Os atores atraem o espectador de tal forma para a trama que o núcleo espanhol poderia ganhar um filme solo. No geral, o mesmo elemento que provoca atração no terceiro ato, não possui força nos demais. Prova que um elemento narrativo pode exercer atração e distanciamento com a mesma intensidade. 

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