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Vida ao déjà vu (O Retorno de Ben)



Peter Hedges é mais conhecido pelo seu trabalho como roteirista. Ganhador do Oscar por Gilbert Grape, Peter entrega ao público roteiros carregados de drama e sensibilidade. Em O Retorno de Ben, o roteiro é baseado em laços familiares intensos e nas atuações de Júlia Roberts e Lucas Hedges. A trama é conhecida do público, pois aborda a dependência química. Ben retorna para comemorar o Natal com a família e a data ativa gatilhos internos para que o jovem volte ao mundo das drogas. Holly trava uma batalha constante entre o racional e emocional. O amor de mãe fala mais alto e a felicidade é sentida por algums membros da família. A parte racional fica por conta de Ivy que compreende que o irmão é uma bomba relógio prestes a explodir. O filme tem como pano de fundo a busca de Ben pelo cachorrinho da família que foi roubado por traficantes locais.

O que fica nítido ao longo dos atos é que o roteiro de Peter envolve mais do que a direção. O diretor é objetivo e simples ao utilizar poucas variações de planos. Ele confia no trabalho dos atores e explora ao máximo os protagonistas. A sensação é de câmera na mão pelas externas percorrendo os caminhos de mãe e filho. Além de se apoiar nas atuações, as cenas dramáticas são intensificadas pela trilha sonora em momentos que reforçam o clichê. A trilha sobe e a vertente de principiante do diretor aparece, mas a  aproximação com a realidade ganha o público.  

O roteiro acerta em acompanhar somente alguns momentos certeiros na relação de mãe e filho. O espectador compreende logo no primeiro ato que a família já sofreu demais com o vício do primogênito. Aos poucos Peter enfatiza situações conflitantes e intensas para a mãe. Saber que o filho se prostituia, que foi responsável indiretamente pelo vício e morte de pessoas locais é retratado de forma direta. A mãe conhece o que o filho se tornou de forma abrupta, mas o amor vem à tona pelo olhar de Júlia. Assim, de forma simples, o espectador cria uma dupla empatia pelo zelo da mãe e determinação momentânea do filho.


Lucas Hedges proporciona ao protagonista uma transparência intensa, sempre reforçando que a mãe não deve confiar nele. Apesar de tramas voltadas para a temática da dependência química abordarem arcos próximos com a luta do protagonista e da família é um deleite para os olhos ver a entrega de Lucas para o personagem. Os roupantes inesperados,  a sinceridade e a tentativa de demonstrar atitudes corretas geram empatia no espectador.  Já Júlia entrega no olhar toda desesperança e amor pelo filho. A atriz transmite uma sensibilidade e firmeza em cenas que engrandecem o arco dos personagens. Júlia é a mãe que vemos em vários filmes que abordam a dependência química, mas o diferencial é o fato de ser Júlia Roberts e como a atriz transborda ternura durante todo o filme.

O Retorno de Ben aborda uma temática explorada diversas vezes na sétima arte, o que em certos momentos torna o filme lento. A lentidão é balanceada pelas atuações de Lucas Hedges e Júlia Roberts. Filho e mãe intensificam os debates internos dos protagonistas sem rodeios, mas com muito afeto. Explorar ao máximo as atuações é o grande mérito de Peter na direção. O filme por vezes esbarra no clichê, porém, a dupla central faz o espectador se envolver mesmo com a sensação de já ter visto esse filme antes. Grandes atores fazem a diferença e conseguem proporcionar vida ao déjà vu.

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