Quando
o filme possui uma temática voltada para o road movie sabemos de alguma forma
que ao final da jornada os personagens se transformam com os conflitos vividos.
É uma viagem por transformação interior. Essa razão é o fio condutor de Capitão
Fantástico. Viggo Mortensen é o pai de seis filhos que vive em florestas no
Pacífico Norte. Ben ensina as crianças como se defenderem e lhes apresenta
conhecimentos de literatura, sociologia, religião e capitalismo. Após um
acontecimento marcante na família, o patriarca embarca em uma viagem com os filhos para a civilização e o choque cultural é inevitável.
A primeira cena nos aproxima da família retratada e
nos faz querer acompanhar a jornada dos sete personagens, todos com arcos
completos e devidamente explorados. O destaque fundamental é voltado para o
trabalho de Jeanne McCarthy ao escalar o elenco. Cada membro possui
uma personalidade mais cativante do que a outra e sempre que a trama explora
momentos previsíveis, os personagens os fazem ganhar força e serem relevantes para
a narrativa como um todo. As interpretações de todo o elenco são a alma de
Capitão Fantástico. Viggo Mortensen como Ben transmite a serenidade
intensificada com um equilíbrio dramático fundamentais para o protagonista.
Tarefa difícil pensar em outro ator para viver o patriarca da família. Os
filhos são extremamente cativantes, cada um com uma personalidade específica
que se encaixa perfeitamente na condução do roteiro. Vale ressaltar o trabalho
do jovem ator George Mackay que vive o filho mais de velho de Ben. Logo na
primeira cena, após passar por um ritual intenso de passagem para a vida
adulta, a figura de Bo sempre está ao lado do pai nos momentos mais difíceis.
Nas cenas cômicas o ator consegue transparecer para o público a intensidade com
um certo exagero na atuação, mas esse aspecto não chega a prejudicar a trama. O
pequeno Charlie Shotwell cativa a todos com as melhores falas do roteiro.
Questionador, sempre demonstra curiosidade ao saber de assuntos mais delicados
voltados para a sexualidade. E como não poderia deixar de ser, Nicholas
Hamilton é o filho rebelde que não compreende o estilo de vida adotado pelo
pai.
A direção de arte possui um papel fundamental na
narrativa. Os cuidados com o figurino e o cenário inserem o espectador no
ambiente e estilo de vida da família de Ben. Tudo extremamente rústico e
simplório para dar a impressão do desapego material dos personagens. A trilha
sonora transmite o equilíbrio necessário entre a delicadeza e dramaticidade.
Cada membro da família toca um instrumento musical e é pela música que o
espectador tem contato com os sentimentos de cada um. A primeira cena em que
Relliam confronta Ben é modificando o tom e a intensidade com que ele toca o
seu instrumento. O pai imediatamente percebe que o filho quer se posicionar e o
deixa conduzir a roda musical com o restante da família. Por ser um road movie, a trilha exerce o papel de personagem e auxilia a contar a história nos
momentos mais intensos. Como não se emocionar com a versão de Sweet Child O´
Mine?
O roteiro de Matt Ross explora diversas temáticas que estabelecem
uma conexão maior com o espectador. Os questionamentos de Ben quando é
confrontado por familiares reforçam o ideal transmitido na educação dos filhos.
Um momento importante que demonstra perfeitamente essa questão é a cena em que
Samantha Isler está lendo Lolita, de Vladimir Nabokov, e o pai lhe indaga com
questionamentos específicos. Como ela analisa a obra? Como ela explora o lado
crítico do livro? E em diversos momentos Ben deixa claro para o espectador a
transparência na educação dos filhos. Conhecimentos sociológicos e filosóficos
são levantados toda vez que o choque cultural vem à tona. As transformações dos
personagens são expressos por metáforas. Quando o protagonista recebe uma notícia
devastadora necessita de um banho de cachoeira para lavar e recarregar as
forças para conseguir falar com os filhos. A mesma metáfora simboliza a
transformação de Ben e Bo. O pai ao fazer a barba se transforma em um novo homem, enquanto Bo
raspa a cabeça ao perceber que necessita tomar decisões mais significativas na
vida. Matt também está na direção, ele consegue conduzir a trama de forma suave
e ressalta a mesma suavidade em momentos mais dramáticos tocando constantemente
o espectador. O que pode ser considerado um problema é a previsibilidade em
algumas cenas. O público antecipa acontecimentos, mas a conexão que
estabelecemos com a família ao longo da trama, nos faz compreender que a
previsibilidade funciona como fio condutor para fechar os arcos dos personagens.
Capitão Fantástico é o tipo de filme que transforma o público e
personagens no desfecho da jornada proposta. Como a musicalidade é extremamente
importante na trama, vale propor uma metáfora entre elementos narrativos e
instrumentos musicais. Cada um possui a importância necessária e o
conjunto resulta em uma música / filme que chega próximo da
perfeição.
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