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Uma experiência perturbadora (A casa que Jack construiu)


Viver uma experiência. Qual delas o espectador terá é que vai estabelecer onde A Casa que Jack Construiu o instigou. Um filme perturbador e que testa o público alternando as mais diversas artes com uma violência sem limites. O filme estreiou em Cannes, sim, Von Trier foi "aceito" novamente no Festival. Para novamente provocar. Seria diferente? Se fosse, não seria Von Trier. O que não dá para negar é o fato de que a autoria do diretor choca e muitos gostam de passar por ela. Desde Os Idiotas, Lars instiga o espectador. Talvez o filme mais leve, o que não deixa de ser pesado, seja Melancolia. Mas nas entrelinhas da violência, o diretor possui uma maneira toda particular de brincar e estimular a reflexão do público sobre vários temas. A Casa que Jack Construiu aborda uma infinidade de questionamentos, mas deixando claro para o espectador que, além das artes mencionadas é preciso ter, no mínimo, estrutura emocional para embarcar em mais uma jornada do diretor.

Ingresso em mãos. Convite aceito. Até onde Von trier vai chegar com o protagonista? Além do espectador acompanhar o estudo de personagem, um aprofundamento maior é sugerido pelo diretor: o roteiro está literalmente exposto na tela. Assim, o espectador visualiza principalmente os tiques de Matt Dillon no exato momento, em perfeita sincronia com o que é projetado. Também refletimos sobre a edição de som. Sempre que sons são propostos no roteiro, o espectador os acompanha nos mínimos detalhes. Um diferencial que envolve ainda mais o espectador na trama de Jack, que a princípio, nos parece uma pessoa reclusa, mas que já apresenta um olhar extremamente frio.

O primeiro encontro de Jack com Lady 1 é um verdadeiro teste para o protagonista. Uma Thurman é inconveniente e não demora para Jack descobrir um prazer adormecido desde a infância. Após cometer o assassinato, Jack sente prazer em fazer novas vítimas. Vítimas aleatórias. Não existe motivação, somente o impulso em realizar o ato. Entre os atos, Von Trier aproxima o espectador do protagonista. Um sorriso nervoso brota em alguns momentos, seja pelo teste que o público passa, ou pelo fato de Jack sofrer de TOC e sempre correr o risco de ser pego pela polícia. Assim, surge o humor dentro do roteiro. Um humor que beira o banal. A maneira como Jack mata sem ter a mínima noção do que faz e como o protagonista começa a aprimorar a crueldade é o verdadeiro teste para o espectador. Jack decide tirar fotos das vítimas afirmando que o processo de revelação é mais importante que o resultado final. O mesmo acontece com relação ao espectador. Aos poucos,com o auxílio de Virgílio, Jack se revela ao longo da trama.


O envolvimento do espectador também se dá pela presença de Virgílio. Temos a voz potente de Bruno Ganz instigando a todo momento o protagonista. Dessa maneira, não somente Ganz se faz necessário para entrarmos na mente de Jack, como também nos envolvemos nos questionamentos que proporcionam reflexão para a trama. O filme vai além da violência com a narração do sábio. A Casa que Jack Construiu ganha força também pela composição de Matt Dillon. O olhar frio, o jeito de arrumar o cabelo, a postura corporal e o sorriso de um prazer imerso na solidão. As atuações impulsionam o espectador para dentro do universo de Von Trier.

A Casa que Jack Construiu é uma experiência difícil e ao mesmo tempo reveladora. Existe limite para Lars Von Trier? Assim como fez nos dois volumes de Ninfomaníaca, o diretor propõe um estudo de personagem imerso em diversas artes. Uma maneira singela de proporcionar alívio ao espectador em meio a uma autoria tão crua e brutal. O fato é que o diretor instiga o espectador. Instiga de uma maneira particular e única. Tudo para proporcionar uma experiência. Uma experiência perturbadora.

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