O diretor Krzysztof Kieslowski recebeu uma encomenda para realizar a trilogia das cores baseada no lema francês: Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Eis que ele embala a trilogia não somente ressaltando o lema, como também as cores da bandeira francesa. O primeiro filme é A Liberdade É Azul e tem como protagonista Juliette Binoche. O enredo é um estudo de personagem extremamente introspectivo. O espectador acompanha somente um determinado período da vida da protagonista e tem a certeza que ela quer se libertar da dor que sente pela perda da filha e do marido em um acidente de carro.
Krzysztof destaca objetos cênicos importantes para a protagonista e auxilia na compreensão do espectador. Planos detalhe de um vazamento de gasolina no carro, um belo objeto de decoração azul que tinha um significado sentimental para a família da protagonista, a bola colorida que rola quando o carro bate na árvore e vários objetos na cor azul nos faz compreender melhor um pouco da vida de Julie. Aliás, o azul acompanha a personagem durante todo o filme. A direção de arte reforça além de objetos cênicos azuis, uma parede no mesmo tom, luzes da boate onde a prostituta trabalha, o figurino de alguns personagens, tudo ao redor da protagonista possui toques azuis. É como se literalmente o azul fizesse Julie recordar do passado e ao mesmo tempo afastar dos objetos para evitar a dor alcançando a liberdade para um novo recomeço.
O roteiro também escrito pelo diretor convida o espectador a sentir às dores da personagem. Ao mesmo tempo que Julie demonstra ser forte, o diretor estabelece o contraste pelo medo de ratos e filhotes (uma ligação entre os filmes) que ela encontra na dispensa do novo apartamento. Ao vender todos os bens e decidir morar em um apartamento pequeno, a transição dentro do roteiro reforça o isolamento da protagonista ao se enclausurar e aos poucos tentar um novo recomeço. O espectador acompanha a protagonista, mas Krzysztof opta por focar em um breve período de sofrimento. O que auxilia também no roteiro é a interpretação de Juliette Binoche. Contida no sofrimento de Julie, a atriz demonstra para o espectador que ele não precisa saber muito sobre a ela, somente o olhar vazio e melancólico da atriz basta para que o público tenha empatia pela personagem. O pouco diz muito sobre Julie e a participação especial de Emmanuelle Riva destaca ainda mais a vontade da protagonista de reforçar laços antigos, mesmo que queira se afastar de todos.
A câmera de Krzysztof mescla momentos subjetivos e passagens de tempo contemplativas da protagonista. Sempre acompanhando a personagem, a câmera reforça momentos de solidão e intensifica o despertar da liberdade quando a protagonista fica por um breve momento no sol (destaque para a senhora que coloca garrafas de vidro em um ambiente para objetos recicláveis, ela aparece em momentos importantes das protagonistas na trilogia). É a vida continuando, mesmo que após a cena, a personagem esteja envolta por uma paleta de cores frias. Com um plano detalhe simples, o diretor reforça a solidão de Julie ao tomar uma xícara de café. A sombra da xícara simboliza a passagem do dia e o vazio da protagonista. A edição também diáloga com a solidão da personagem. A tela preta reforça breves momentos de lucidez e envolve o espectador nos pensamentos de Julie. Um aspecto interessante do roteiro que faz o espectador perceber que sempre que o elemento narrativo é explorado saberemos um pouco mais sobre a vida da protagonista.
A Liberdade É Azul envolve o espectador pela dualidade entre a busca pela liberdade e solidão de Julie. Quando ela se entrega momentaneamente embalada pela trilha sonora ou se refugia nas paletas de cores frias da casa. Julitte Binoche entrelaça o espectador no olhar vazio e contemplativo de Julie. O primeiro filme da trilogia é repleto de simbolismos e direto no roteiro. Não precisamos saber muito sobre o passado e vida da personagem, somente desejamos que ela consiga se desprender da dor e que conquiste a liberdade.
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