A relação do diretor Guilhermo del Toro com o gênero fantasia vem de longa data. O Labirinto de Fauno é o seu trabalho mais expressivo, ou melhor, era até o mais recente projeto, A Forma da Água. Guilhermo mergulha literalmente, em vários sentidos, na fábula de uma faxineira que se apaixona por um mostro aquático.
Aas primeiras cenas de nudez de Sally Hawkins parecem extremamente gratuitas, mas logo no começo do segundo ato, o espectador percebe que a água ganha outros significados para a protagonista. Não somente uma forma de prazer, e sim, o surgimento de um sentimento puro e intenso. O filme é contém várias rimas visuais que dizem muito sobre os personagens. Elisa possui limitações, a personagem não fala e, dessa forma, a comunicação com o mostro fica mais entrelaçada. O primeiro contato de ambos beira à inocência e infantilidade. A delicadeza dos gestos e o contato físico gradual torna-se mais intenso entre os atos. Aos poucos, os protagonistas se entregam ao amor de forma poética. O teor sexual é explorado diversas vezes sem deixar a ternura e beleza de lado.
A trilha sonora de Alexandre Desplat acompanha o espectador a todo momento reforçando as transições entre as cenas e gêneros. Essa questão fica evidente com a entrada marcante de Michael Shannon na trama. O primeiro contato do público com o personagem é exaltado por uma trilha mais densa. E assim, somos agraciados com belos e intensos acordes musicais. A música embala o primeiro encontro do casal e nos programas de TV que Elisa e Giles assistem. O sapatiado também é marcante para evidenciar outro elemento narrativo significativo: a edição de som. Os passos, a comunicação do mostro, o ferver da água, tudo ao redor da protagonista é marcado pelo som. O som e Elisa são como uma simbiose, um não existe sem a outra.
Com treze indicações ao Oscar, sendo três voltadas para atuações, A Forma da Água tem em seu elenco nomes de peso. O roteiro também de del Toro complementa e fecha o arco dos personagens, os inserindo no contexto proposto. Michael Shannon é firme como o vilão e extremamente preconceituoso. Já os melhores amigos da protagonista, Spencer e Jenkins, reforçam o lado cômico que o filme necessita. Porém, Sally é a alma do filme. Ela literalmente dá forma e faz este conto de fadas ter significado. A atriz nos transporta para a atmosfera presente na trama. Docilidade e sensualidade são dosados de maneira equilibrada pela atriz. Indicação merecida. É o talento transbordando na tela.
Tudo, ou melhor, quase tudo se encaixa na trama. É interessante perceber como a cor verde serve de ligação para todos os personagens no filme. Simboliza o amor, amizade e a doce lembrança de uma bala saboreada na infância. A direção de Guilhermo sempre enquadrando os personagens em um corredor para dar a sensação de aprocionamento e tensão reforça os gênero s terror e suspense. O que realmente peca no filme é o ritmo, em especial nas cenas de Michael Stuhlbarg. A alternância de gêneros também causa ruídos na trama. O som é fundamental e a homenagem ao cinema também, mas um musical aos 45 do segundo tempo? Enfim, detalhes que não enfraquecem o poder da narrativa desta bela fábula de amor.
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