Pular para o conteúdo principal

A roda gigante sem forças para girar (Roda Gigante)



Nas últimas décadas quando o nome de Woody Allen está envolvido em algum projeto, logo vem em mente a carreira de altos e baixos do diretor. Allen consegue realizar trabalhos prazerosos como Meia Noite em Paris, ao mesmo tempo que proporcionou ao público o irregular Magia ao Luar. Não há como negar que pelo histórico geral, o diretor é extremamente autoral e competente. Mediano seria a palavra que melhor descreve Roda Gigante. O mais recente trabalho de Woody é voltado para uma linguagem mais teatral, porém, se não fosse a versatilidade de Kate Winslet, o espectador teria somente mais um novo filme do diretor.

A trama foca na história da atriz Ginny que deixou os palcos por problemas pessoais e agora se vê enclausurada em uma vida monótona como garçonete em Coney Island. Após Ginny se apaixonar pelo salva-vidas Mickey, a vida da decadente atriz ganha sentido novamente. Com a chegada da filha de Humpty tudo ganha rumos diferenciados e o quarteto começa a desmoronar. A jovem também se envolve com Mickey e o restante fica por conta do roteiro envolvente de Allen. O diretor consegue transformar o corriqueiro com pitadas de ironia e humor. Kate Winslet é aquele protagonista ranzinza de outros filmes do diretor só que com saia. Os melhores monólogos que ninguém tem coragem de falar, a atriz solta e esbraveja para todos os ventos. Dessa forma, o roteiro prioriza a atriz, mas não deixa de lado os demais personagens. 

Pense no trabalho de uma atriz que toma o filme para si e consegue entregar uma personagem digna de premiações. Assim, mais uma bela protagonista cativa imediatamente o espectador. Kate transcende o corpo e atua com os objetos cênicos ao seu redor. Perceba como pequenos detalhes são importantes para percebermos a instabilidade de Ginny. Quando a personagem toma sorvete, as mãos tremem, ou como ela desliza as mãos nos cabelos na tentativa frustrada de transparecer sensualidade em meio ao turbilhão de emoções que está passando. Esse turbilhão é sentido em cada expressão corporal da atriz. O que realmente prejudica o filme, mesmo sendo uma marca registrada do diretor é a presença do narrador na trama. A escolha de Justin Timberlake enfraquece a trama e quebra o ritmo, mesmo que exista uma preocupação com a continuidade das cenas. O personagem não possui força e tudo ganha um tom extremamente previsível. 


O grande destaque fica por conta da fotografia de Vittorio Storaro que acompanha as variações dos personagens durante na trama. Um fato interessante acontece no terceiro ato: mesmo o espectador sabendo o desfecho, Ginny fica ensolarada durante todo o filme quando fala de amor, já Mickey quando se declara está envolto de uma fotografia mais escura. Falar de amor para os personagens seria algo leve, mas no terceiro ato ganha um aspecto pesado e denso. Vale destacar também a mudança do figurino da protagonista. Quando está em casa, as roupas ganham um aspecto mais sóbrio, no momento que conhece o jovem salva-vidas, o figurino ganha vida e cores claras. 

Roda Gigante transmite a sensação para o espectador de ser mais um filme mediano de Woody Allen. Por ser um ótimo diretor e por ter um roteiro que vale a pena ser apreciado, o público pode compreender que mediano não é um filme ruim. Muito pelo contrário, até o mediano do diretor compensa ser visto, mesmo sabendo que sem o protagonismo de Kate Winslet a roda gigante provavelmente não teria forças para girar.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Isso parece uma novela" (Bad Boys Para Sempre)

O começo de Bad Boys Para Sempre é basicamente um resgate do primeiro filme dirigido por Michael Bay. Mike e Marcus estão em um carrão em alta velocidade trocando ofensas e piadas enquanto percegue suspeitos. Além de todas as referências, a trama gira em torno de vingança, uma vingança mexicana. Sim, os vilões são mexicanos. Bandidos de um lado, policiais do outro e segredos revelados.  Will Smith sabe como lucrar na indústria, apesar de algumas escolhas equivocadas em projetos passados, Bad Boys Para Sempre parece uma aposta acertada do produtor. Desde o primeiro longa a química entre os atores é o que move a trama e na sequência da franquia não seria diferente. Martin e Will são a ação e o tom cômico da narrativa. Os opostos são explorados de forma intensa. Martin está mais contido com a chegada do neto e Will na intensidade de sempre. As personalidades se complementam apesar da aposentadoria momentânea de Marcus. Tudo ganha contornos diferenciados quando a família em to...

O Mito. A lenda. O Bicho-Papão. (John Wick : Um Novo Dia Para Matar)

Keanu Reeves foi um ator que carregava consigo o status de galã nos anos 80. Superado o estigma de ser mais um rosto bonito em Hollywood, o que não se pode negar é a versatilidade do astro ao escolher os personagens ao longo de décadas. Após a franquia Matrix, Keanu conquistou segurança ao poder escolher melhor os personagens que gostaria de interpretar. John Wick é o novo protagonista de uma franquia que tem tudo para dar certo. Um ator carismático que compreendeu a essência do homem solitário que tinha com companhia somente um cachorro e um carro. Após os eventos do primeiro filme, De Volta ao Jogo, Keanu retorna com John Wick repetindo todos os aspectos narrativos presentes no filme de 2014, mas com um exagero que faz a sequência ser tão interessante quanto o anterior. O protagonista volta aos trabalhos depois de ter a casa queimada. Sim, se as motivações para toda a ação presente no primeiro filme eram o cachorro e um carro, agora, o estopim é uma casa. Logo na primeir...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...