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Quando os elementos narrativos dialogam entre si (A Qualquer Custo)


A Qualquer Custo possui características de um gênero que aproxima e resgata o espectador para um determinado contexto americano que se encaixa perfeitamente na política atual. A imensidão de áreas isoladas, o clima seco, a fotografia predominante com paletas quentes, a importância da cultura indígena e personagens marcantes. Se os irmãos Coen fizeram um trabalho significativo com Onde os Fracos não tem Vez, David Mackenzie consegue retomar o faroeste com um filme necessário e igualmente marcante para futuras gerações.

Com o prazo da hipoteca da fazenda para vencer, os irmãos Tanner e Toby Howard saem pelo interior do Texas roubando bancos. São pequenas quantias, somente o necessário para o valor da hipoteca. No primeiro ato, o espectador tem contato com a personalidade dos irmãos. Após sucessivos roubos, o delegado Marcus e o parceiro Alberto começam a caça aos protagonistas. Se existe um equilíbrio entre as personalidades dos irmãos, o mesmo é ressaltado na parceria de Bridges e Birmingham. O filme alterna cenas intensas, reflexo dos assaltos e outras em um tom mais sereno, onde podemos aos poucos conhecer a motivação do quarteto.


No decorrer do filme a trilha sonora é de fundamental importância e marca momentos essenciais da narrativa. Nick Cave e Warren Ellis são os responsáveis por dosar e envolver as ações dos personagens de forma precisa. As cenas de ternura contida entre os irmãos e o companheirismo do delegado com o parceiro sempre ganham destaque pela trilha. Pensar na ausência do trabalho de Cave e Ellis é identificar um vazio que dificilmente seria preenchido ou compensado por demais elementos narrativos. A trilha sonora da dupla literalmente auxilia a dar ritmo e melancolia ao filme. 


Outro elemento narrativo que faz de A Qualquer Custo ser um filme marcante é o roteiro de Taylor Sheridan, o mesmo do excelente Sicario: Terra de Ninguém. Na trama não existem personagens maniqueístas. Em determinado momento do filme Toby indaga Tanner sobre o motivo dele estar fazendo algo tão arriscado e drástico. Tanner naturalmente diz: "Porque você me pediu". E a trama segue repleta de momentos em que os laços dos irmãos ficam cada vez mais fortes. O mesmo acontece com Nick e Warren. A dupla trava os melhores diálogos sobre o momento político atual nos Estados Unidos. Warren sempre evidencia a questão indígena e como o povo americano "lidou brutalmente / massacre " perante a situação. Na trama, o tom cômico dos diálogos merece o devido destaque. Temos quatro protagonistas com arcos bem desenvolvidos que envolvem o público por igual. 

David Mackenzie explora com competência o ambiente para ressaltar a atmosfera necessária do faroeste moderno presente no filme. Takes aéreos envolvem o espectador no clima desértico e solitário das cidades pacatas no interior texano. O diretor foca diretamente no rosto dos atores e todos de forma intensa defendem os personagens dando humanidade ao quarteto. No terceiro ato, um diálogo entre Chris e Jeff mostra ao público o equilíbrio presente nas atuações. Chris Pine está surpreendente por apresentar Toby de forma contida, mas que em todas as cenas que aparece nos transmite um tom melancólico. A anarquia presente em Ben Foster se faz necessária para dar um ritmo mais acelerado ao filme. Jeff Bridges ressalta os maneirismos de Marcus contidos e intensos para marcar as decisões do personagem. Gil Birmingham alterna a comicidade e dramaticidade de forma sutil. Mackenzie destaca com closes e proporciona equilíbrio ao evidenciar as características marcantes de cada personagem.

A Qualquer Custo é uma narrativa com protagonistas fortes e temática atual. Ao longo dos atos o espectador percebe como os elementos narrativos dialogam entre si formando um conjunto da obra impactante difícil de se esquecer.   







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