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As cercas que estão além do título (Um Limite Entre Nós)


Denzel Whashington conduz a direção de Um Limite Entre Nós e literalmente demonstra que está "cercado" de talento por todos os cantos da casa em que a narrativa se passa. Não escrevo somente pela atuação dos atores com que Denzel divide as cenas, mas também pela simplicidade dos ângulos e uso da câmera. Ligue a câmera e os atores tomam conta de toda a narrativa.

O ator prioriza o trabalho dos atores ao longo das quase duas horas e meia presentes em um roteiro intenso, verdadeiro e que ganha potência nas nuances de personagens fortes no decorrer da trama. Denzel opta por trabalhar uma câmera estática, com a ausência de ângulos diferenciados. A movimentação da mise -in scène é reflexo de um cenário teatral. É preciso cautela ao apresentar para o espectador cenas com falas extensas apoiadas na interpretação dos atores. O filme explora um ritmo lento e necessário para que os acontecimentos sejam o reflexo da vida real, assim, o público acompanha o roteiro esmiuçado com calma para compreender os arcos de cada personagem. Estamos diante de uma família que poderia ser facilmente pessoas presentes em nosso cotidiano. Denzel explora a simplicidade dos movimentos de câmera que se limitam em acompanhar os passos dos atores em cena, mas a opção quando chega ao final do segundo ato torna-se um pouco arriscada e cansativa. 

Um Limite Entre Nós vai além do estudo de um personagem amargurado pelas oportunidades que perdeu no decorrer do tempo. O filme é reflexo das fortes e seguras atuações do casal. Viola e Denzel entregam ao espectador interpretações dúbias. Ao mesmo tempo que Rose é submissa ao marido, ela o enfrenta com palavras intensas que ganham o peso de anos repletos de sentimentos reprimidos. Já Troy é o retrato do machismo na década de 50 e apresenta um comportamento que vemos nos dias atuais. A violência psicológica que ele exerce sobre Rose, não a faz ter muitas opções a não ser seguir escutando histórias repetidas e devidamente incrementadas com pitadas de surrealismo. Denzel explora com competência a dualidade do personagem, que apresenta para o espectador um protagonista fatigado pela vida, mas que também demonstra sentimentos mínimos pela esposa. Quando a trama acaba temos a sensação igualmente dúbia de criarmos uma empatia e desprezo por Troy, com a mesma intensidade devido ao trabalho impressionante de Denzel. 


A simplicidade com que o diretor conduz a narrativa também é refletida na trilha sonora. Todo o primeiro ato e perto do desfecho do segundo, o espectador somente é levado pelo som diegético dos cenários. A casa torna-se um coadjuvante importante para o desenvolvimento dos arcos dos personagens. A partir do final do segundo ato, a trilha suave e intensa embala decisões significativas dos protagonistas. A cerca que permeia toda a narrativa serve de metáfora para o afastamento gradual do casal.   

Um Limite Entre Nós é uma narrativa simples, o que não pode ser vista em nenhum momento como simplória. A grandiosidade do roteiro que toca em assuntos relevantes de forma intensa e bem estruturada vai de encontro com as atuações competentes do elenco. Denzel está literalmente cercado de talentos para conduzir de forma convincente uma trama que cresce ao longo da projeção. Aqui, as cercas estão além do título, elas marcam um território de empatia entre os personagens e o espectador. 


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