Pular para o conteúdo principal

Aproximação da vida real (Manchester À Beira - Mar)


Lee Chandler vive entre idas ao bar e o trabalho de zelador em quatro prédios. Após vários reparos e consertos em apartamentos, Lee recebe um telefonema que modificará a monótona vida que leva. O irmão faleceu e ele precisa retornar a cidade natal e confrontar o passado que tentar superar.

Manchester à Beira Mar é um filme sobre como os que estão ao nosso redor conseguem lidar com as fatalidades que a vida apresenta. Conseguir seguir em frente sem sentir que está traindo o passado é uma tarefa dolorosa. Continuar vivendo mesmo que nada mais faça sentido. Se isolar de todos parece a melhor opção para não confrontar com a dura realidade de um passado, como se ele fosse um grande peso instalado nas costas que lhe acompanha por onde for. Ao receber o telefonema do falecimento de Joe Chandler, Lee precisa retornar imediatamente e ainda ser o tutor de Patrick.

Todas as funções narrativas complementam a composição e o estudo do personagem de Casey Affleck. A atmosfera melancólica e o clima gélido contribuem para o olhar distante e o afastamento do protagonista dos que o cercam. A edição possui cortes precisos que dialogam com a maneira que Lee interrompe abruptamente todos que desejam saber como ele "superou" os acontecimentos passados. Esse recurso e takes de maior duração surgem como reflexo de pequenos momentos construídos na tentativa frustrada da construção de uma relação afetuosa com o sobrinho Patrick. O humor negro proporciona o espectador momentos de leveza na trama, mesmo que o roteiro toque em assuntos difíceis e delicados dos personagens. 

Aos poucos com o auxilio da edição, o espectador toma conhecimento dos conflitos e de acontecimentos trágicos na vida de Lee. O que envolve e aproxima o público do protagonista é a atuação de Casey Affleck. O personagem se encaixa perfeitamente na persona do ator. Os gestos lentos, a maneira que conduz o olhar frio, mas ao mesmo tempo repleto de sentimentos. Até mesmo o timbre de voz do ator acalenta o espectador e nos faz ter empatia e compreender a cada cena os motivos que fizeram Lee se afastar de todos. 

  
A mesma edição que aproxima o espectador nos primeiros atos pode causar distanciamento pelo tom da narrativa. Lentamente a trama é construída e a edição no terceiro ato torna-se extremamente cansativa. A trilha sonora também causa ruídos no conjunto de Manchester à Beira Mar. Sempre auxilia o espectador a sentir algo pelos personagens de maneira forçada e constante. O roteiro em algumas cenas serve de suporte para completar o comportamento de Lee com os demais, mas ao longo do filme as interrupções sucessivas também geram afastamento da trama. Tudo fica truncado, como na cena específica em que Randi tenta se desculpar pelo passado. Lee não quer prolongar e tocar em feridas que nunca serão cicatrizadas, mas ela sente a necessidade de ao menos falar que compreende as atitudes tomadas pelo antigo companheiro. Compete ao protagonista finalizar a conversa, mas a forma abrupta como é conduzida por Kenneth Lonergan deixa um vazio desnecessário no público. O mesmo acontece no almoço com Elise. O espectador poderia saber um pouco mais sobre o arco da personagem, mas a cena é interrompida pela saída de Elise, apesar da ótima participação especial de um ator afastado por um bom tempo das telas. Uma pena que em diversas cenas o roteiro não é desenvolvido o suficiente para acompanharmos o desenrolar dos demais coadjuvantes.  

Manchester à Beira Mar é um filme tocante que leva ao espetador sentimentos que insistem em ser anestesiados, mas que o passado não poderá apagar. Um filme extremamente humano que causa a intensa identificação por ser tão próximo da vida real. 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Entretenimento de qualidade (Homem-Aranha no Aranhaverso)

Miles Morales é aquele adolescente típico que ao grafitar com o tio em um local abandonado é picado por uma aranha diferenciada. Após a picada, a vida do protagonista modifica completamente. O garoto precisa lidar com os novos poderes e outros que surgem no decorrer da animação. Tudo estava correndo tranquilamente na vida de Miles, somente a falta de diálogo com o pai o incomoda, muito pelo fato do pai querer que ele estude no melhor colégio e tudo que o protagonista deseja é estar imerso no bairro do Brookling. Um dos grandes destaques da animação e que cativa o espectador imediatamente é a cultura em que o personagem está inserido. A trilha sonora o acompanha constantemente, além de auxiliar no ritmo da animação. O primeiro ato é voltado para a introdução do protagonista no cotidiano escolar. Tudo no devido tempo e momentos certos para que o público sinta envolvimento com o novo Homem-Aranha. Além de Morales, outros heróis surgem para o ajudar a combater vilões que dificultam s

Vin Diesel e Lua de Cristal (Velozes e Furiosos 10)

"Tudo pode ser, se quiser será Sonho sempre vem pra quem sonhar Tudo pode ser, só basta acreditar Tudo que tiver que ser, será".   Quem não lembra da icônica música da Xuxa, no filme Lua de Cristal? O que a letra está fazendo no texto de Velozes e Furiosos 10? Nada, ou tudo, se você quiser, será! A letra possui ligações com o filme de Vin Diesel  pelo roteiro repleto de frases de efeito e por Jason Momoa, que mais parece um desenho animado do programa da Rainha dos Baixinhos, que aquecia o coração das crianças nas manhãs da Globo. A música persegue o filme porque Xuxa tinha como público- alvo as crianças, certo? Ok, como definir o vilão de Jason? O personagem é estremamente caricato. A forma como o ator proporciona risos no espectador é digno de coragem. A escrita é legítima e verdadeira. É preciso coragem para fazer um personagem que sempre está na corda bamba e pode cair à qualquer momento, porém, Jason segura às pontas e nos faz refletir que ele é mesmo um psicopata que no

Um pouquinho de Malick (Oppenheimer)

Um dos filmes mais intrigantes que assisti na adolescência foi Amnésia, do Nolan. Lembro que escolhi em uma promoção de "leve cinco dvds e preencha a sua semana". Meus dias foram acompanhados de Kubrick, Vinterberg e Nolan. Amnésia me deixou impactada e ali  percebi um traço importante na filmografia do diretor: o caos estético. Um caos preciso que você teria que rever para tentar compreender a narrativa como um todo. Foi o que fiz e  parece que entendi o estudo de personagem proposto por Nolan.  Décadas após o meu primeiro contato, sempre que o diretor apresenta um projeto, me recordo da época boa em que minhas preocupações eram fórmulas de física e os devaneios dos filmes. Pois chegou o momento de Oppenheimer, a cinebiografia do físico que carregou o peso de comandar a equipe do Projeto Manhattan,  criar a bomba atômica e "acabar" com a Segunda Guerra Mundial. A Guerra Fria já havia começado entre Estados Unidos e a Alemanha, no quesito construção da bomba, a ten