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Um olhar apurado e uma autoria clássica (Sully)


Clint Eastwood conseguiu se firmar em Hollywood como um diretor autoral e em Sully - O Herói do Rio Hudson podemos ressaltar vários aspectos que evidenciam a marca do veterano atrás das câmeras. A trama gira em torno do piloto Chesley Sullenberger que evitou uma tragédia ao fazer o pouso forçado de um avião no rio Hudson.

No primeiro ato da trama, o tom acelerado utilizado pode causar estranheza para os espectadores que acompanham a filmografia de Clint. Nos primeiros minutos, a impressão que fica é a de priorizar a tragédia e evitar as consequências do acidente, mas como estamos falando de Eastwood e sua forma clássica de conduzir as narrativas, logo a edição posiciona o público em um filme autoral. Com o espectador inserido na história, Clint prepara o terreno para intensificar sua assinatura: envolver os personagens amarrando o enredo de forma gradativa e delicada.

Após o espectador estabelecer as primeiras impressões do que aconteceu no dia 15 de janeiro de 2009, Clint explora ao máximo o talento de Tom Hanks como protagonista. O diretor sabe que tem um ator competente para conduzir a trama. O trabalho de Hanks é contido e envolve o público em cada cena. Somente no olhar sentimos a angústia do personagem. As trocas de telefonemas com a mulher ressaltam o cuidado de Tom com os pequenos detalhes que são mais evidentes quando a câmera aproxima do protagonista. A respiração ofegante, a calma camuflada e a postura corporal intensificam o que pode ser considerado mais um marcante personagem para a trajetória significativa do ator. Outro ponto alto do elenco é Laura Linney, que não contracena com Tom Hanks, somente com objetos. As conversas estabelecidas entre Sully e Lorrie são exploradas em vários momentos significativos da trama, elas fazem os espectadores se importarem com o drama vivido pela família do protagonista. Linney consegue passar a emoção necessária contracenando com um simples telefone ou uma televisão. Aaron Eckhart é o coadjuvante que estabelece o tom cômico na trama, mas infelizmente não tem muito espaço para explorar de forma interessante o personagem. Um destaque especial para o trabalho de Sam Huntington que transmite leveza em meio ao caos dos passageiros.


A direção de Clint necessita de dois elementos importantes para ressaltar o tom clássico presente em muitos de seus filmes. Sempre que os personagens focam em dramas particulares, uma trilha suave toma conta da cena e a forma lenta com que a câmera se aproxima e os enquadra envolve o espectador nos conflitos vividos por cada um. O que poderia ser considerado uma repetição na filmografia de Eastwood ganha status autoral. O que prejudica consideravelmente o terceiro ato é a parte relacionada a investigação do acidente. No primeiro ato, o público tem contato com as primeiras investigações, as cenas possuem um trabalho interessante de edição dando agilidade para o interrogatório. O mesmo não ocorre quando Sully e Jeff são julgados pela agência de regulação aérea dos Estados Unidos. O filme fica extremamente monótono, principalmente, pelas atuações inexpressivas do elenco. Se o trabalho de edição é fundamental no primeiro ato, no decorrer dos demais, os flashbacks constantes prejudicam o ritmo da narrativa. O roteiro explora ao máximo e de forma crescente o drama do protagonista, mas causa ruídos na trama ao enfatizar diversas vezes e da mesma forma os traumas de Sully.


Clint Eastwood é sinônimo de uma autoria clássica. O que faz o diretor ter a devida importância é não deixar essa autoria se sobressair a história. A narrativa ganha relevância porque Clint sabiamente compreende que os personagens são tão importantes quanto a direção. Talvez pelo fato do diretor saber como funciona a arte da atuação. As mãos que conduzem a câmera ganham a força de um olhar apurado com o cuidado essencial para enfatizar a história e tocar os sentimentos do espectador.

Comentários

Azul Hernandez disse…
Este filme ultrapassou minhas expectativas, Clint Eastwood adaptou a história de uma maneira impressionante, colocando como evidencia que era o diretor indicado de Sully O Heroi Do Rio Hudson. É importante mencionar também o grande trabalho do elenco, foi um dos melhores filmes de 2016.

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