Deserto Particular vem colecionando prêmios em diversos festivais e é o representante brasileiro para concorrer a uma vaga na categoria de filme internacional, no Oscar em 2022. Aly Muritiba remota a temática que explorou em Ferrugem, o ambiente virtual, só que com uma atmosfera mais amena voltada para a busca pelo amor. Na trama Daniel troca mensagens com Sara e a partir do momento que ela não retorna o contato, o protagonista começa uma viagem para conhecer pessoalmente a amada. O roteiro também de Aly destaca o arco de Daniel e Robson, além de desenvolver alguns coadjuvantes importantes ressaltando subtramas que reforçam preconceitos e estereótipos. A avó de Robson tenta encaixá-lo em um padrão o levando para frequentar a igreja. O pastor da igreja também precisa esconder um desejo maior, mas encontrou no senhor o amparo que necessitava. Mas será que o pastor é feliz? Já Robson encontra amparo no melhor amigo, dono de um salão e que o auxilia nos momentos mais intensos e cruciais. Na busca por Sara, Daniel também encontra coadjuvantes importantes para que ele intensifique o autoconhecimento, além de finalmente ter o primeiro encontro. Daniel também toma coragem de deixar para trás conflitos internos par que ele consiga compreender e enfrentá-los no devido momento.
O longa aborda temáticas universais, porém a principal talvez seja a busca contante por nós mesmos. No decorrer da vida sempre estamos tentando nos compreender e avaliando decisões e desejos. Daniel começa a perceber que sente algo diferente por Sara e precisa lidar com esse novo sentimento. Mas como refletir sobre sem pensar no julgamento alheio? E tudo piora quando o protagonista precisa enfrentar uma barreira maior: o próprio preconceito. A busca pelo autoconhecimento passa pela interpretação sensível e introspectiva de Antonio Saboia. O ator explora as camadas do personagem com um olhar terno repleto de questionamentos. Daniel apresenta um sorriso tímido no primeiro encontro com Sara, já com Robson o sorriso é tão intenso que sentimos a felicidade do personagem. Antonio trata o protagonista com tamanha delicadeza e dúvida que atinge em cheio o coração do espectador que corresponde ao sentimento com empatia. Empatia talvez seja a melhor palavra para descrever Pedro Fasanaro na pele de Robson. O ator intensifica a busca pelo si mesmo no sentimento que cresce por Daniel, além de ter que enfrentar o preconceito de frente, o preconceito e o amor que habitavam em uma mesma pessoa e que agora abre espaço para o novo. O amor que também é sentido pelo melhor amigo vivido por Thomas Aquino. O sentimento do amigo é fraternal que se coloca no lugar do outro e sofre junto.
Aly destaca a mise-en-scène em momentos de solidão de Daniel, como no começo da jornada do protagonista, quando o diretor faz o protagonista parecer pequeno perante do todo sentado em uma pedra, ou quando em um plano destaca o personagem tentando conversar com o pai, mesmo que ele não tenha lembranças da conversa. O que também auxilia na direção de Aly é a fotografia neon que embala a dramaticidade e interpretação da dupla. Em momentos decisivos ela se faz presente acompanhada da trilha original repleta de melancolia. A trilha sonora está presente para destacar a atmosfera regional e dialoga perfeitamente com os sentimentos dos personagens. Talvez a escolha universal de Total Eclipse of The Heart, de Bonnie Tyler fuja das escolhas tipicamente regionais e não case com um dos momentos mais ternos do longa. Uma pena que a trilha que embale o casal seja internacional.
Deserto Particular toca em temas delicados que estão presentes em nosso cotidiano. O preconceito da avó que com o coração partido praticamente expulsa o neto de casa, a permissão de sentir algo que provavelmente estava adormecido, ou que simplesmente veio à tona no encontro com outra pessoa, a busca pelo autoconhecimento que é constante e que nos faz refletir sobre como desejamos e sentimos o outro e alguns estereótipos, principalmente no personagem de Thomas Aquino. Um filme tão sensível que faz o espectador refletir sobre como nos enxergamos e como o outro nos enxerga. O desfecho não poderia ser melhor: os protagonistas se permitem buscar não somente o autoconhecimento como encontram a liberdade.
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