Emerald Fennell sofre da síndrome do primeiro filme que atinge alguns diretores iniciantes: abraçar todas as técnicas possíveis somente para mostrar domínio na direção. Em uma cena de Bela Vingança, a diretora posiciona a protagonista centralizada para que ela encaixe em um objeto cênico na parede, para logo após ter um beijo com o companheiro. Cena puramente estética que prioriza somente o aspecto visual no filme. Em outros momentos, a diretora acerta na intenção, mas o resultado final não atinge o propósito desejado. Na cena de uma briga de trânsito, a diretora desfoca o personagem masculino, aqui fica claro que a intenção de Emerald: desconsiderar totalmente a figura masculina. O problema é a função narrativa da cena. Ela está ali somente para destacar a vingança da protagonista em um homem na rua. O maior acerto da diretora é abusar dos closes nas cenas em que a atriz apresenta as nuances da protagonista. E, assim, a diretora segue abraçando todas as possibilidades durante o longa.
Outro problema constante é o roteiro também escrito por Emerald. Frases de efeito feministas forçadas e situações questionáveis. Conquistar a protagonista somente por tomar um café com o cuspe dela? Um casal na faixa dos trinta anos cantando música pop na farmácia? O roteiro explora em vários momentos o arco adolescente e adulto da protagonista. Ao mesmo tempo que Cassie planeja toda a vingança, ela possui atitudes que não comportam a idade dela. Ok, está claro que Cassie ficou presa ao passado, o que poderia justificar muito do comportamento em determinadas cenas, o problema é que elas soam extremamente forçadas. O longa também possui uma alternância de gêneros que não envolve o espectador. Quando Cassie planeja a vingança, o envolvimento acontece de forma satisfatória. Já em cenas mais cômicas, a narrativa se perde por completo. Boa parte do último ato é uma sucessão de equívocos. O personagem de Chris Lowell é de uma interpretação totalmente fora do tom. Claro que também podemos voltar o olhar para a direção de Emerald que provavelmente orientou o ator para ter determinada postura em cena. Além de personagens fora do tom, no decorrer do filme, algumas cenas surgem somente para enfatizar um feminismo deslocado na trama. A cena que Cassie confronta um motorista e quando enfrenta alguns operários poderiam ser facilmente descartadas do roteiro.
O ponto alto de Bela Vingança é Carey Mulligan que sabe da liberdade que a diretora lhe proporciona para brincar com Cassie. O domínio que a atriz tem em cena prende o espectador até o desfecho para saber as consequências das atitudes propostas pelo roteiro. Todas as camadas são exploradas por Carey, que em uma cena transforma o olhar e postura da protagonista. Infelizmente a atriz não conta com os elementos narrativos na composição da protagonista. À noite, Cassie se transforma em uma mulher fatal, o que ajuda bastante nas camadas da personagem, porém, quando ela trabalha no café, os vestidos são leves e com cores fortes, provocando um conflito até na postura traumática e depressiva de Cassie. Mais uma vez o visual sobressai à narrativa deslocando completamente do propósito. Outro elemento narrativo que destoa da protagonista é o desing de produção voltado para a casa de Cassie. O quarto da protagonista parece de uma adolescente, sem mencionar o computador com boquinhas. Estética que clama por atenção e que não atinge o objetivo final de fazer o espectador refletir sobre a temática proposta.
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