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Poucos como Vinterberg... (Druk)


Quando o diretor entra em sintonia com o ator, a parceria é estabelecida e se os demais elementos narrativos estiverem em harmonia, o trabalho rende bons frutos. É o caso de Thomas Vinterberg e Mads Mikkelsen. O ator cresce consideravelmente nas mãos do diretor. Podemos constatar mais uma vez como a sintonia funcionou perfeitamente em Druk. Na trama quatro professores decidem participar de um estudo. Todos devem ingerir 0.5% de álcool por dia evitando somente finais de semana. O estudo é registrado pelo psicólogo Nicolaj. No começo a euforia é nítida, os professores ficam mais soltos e agradáveis com os alunos, as aulas tornam-se divertidas e relações de afeto são estabelecidas. Mas à medida que a quantidade de álcool aumenta, as consequências ficam irreversíveis. Casamentos são desfeitos, o grau de constrangimento intensifica, a negação do alcoolismo surge e mesmo após o fim o estudo o pior acontece marcando a amizade do quarteto. 

O roteiro de Thomas Vinterberg toca em uma temática delicada equilibrando humor e drama. Os arcos dos personagens são desenvolvidos para evidenciar como cada um lida com as consequências do consumo do álcool. A leveza é sentida na relação sexual de Martin com a esposa; no afeto de Tommy com um aluno que sofre bullying; quando Peter percebe a dificuldade de um adolescente ao lidar com a pressão em passar no exame final (mesmo que o conselho seja o pior possível) e na liberdade de Nicolaj em esquecer as preocupações com os filhos pequenos. Claro que toda leveza possui consequências drásticas. 

Podemos estabelecer um paralelo entre os elementos narrativos e os efeitos do álcool nos personagens. A câmera tremida destaca a euforia principalmente quando o quarteto aumenta a porcentagem para "fins científicos ". A câmera também ganha close em cenas dramáticas para ressaltar as consequências dos atos pós  bebida. Em algumas cenas o diretor deixa a câmera estática para que os atores sintam o peso de seus atos. Os elementos seguem acompanhando os personagens também na trilha e fotografia. A trilha  fica mais intensa com a euforia do quarteto. Já a fotografia é mais quente no primeiro encontro (foto acima), nos demais atos é fria para dialogar com o distanciamento da família e com o desfecho drástico do amigo. 

Todos os atores entregam interpretações intensas e conseguem transitar entre o drama e o humor. Saber o momento de parar cabe ao amigo que propôs o estudo. A racionalidade de Magnus Milang é sentia e o personagem ressalta que se o estudo continuar todos beiram o alcoolismo. Thomas Bo Larsen é o professor que lida com as crianças tornando o abuso do álcool ainda mais preocupante. Thomas estabelece um laço afetivo com um dos alunos que é retratado pela leveza das imagens de Vinterberg, no arco do personagem os detalhes fazem a dramaticidade ter um peso sensível. Vale destacar a construção do personagem que um carinho pode surgir como um gesto agressivo devido ao efeito do álcool. Lars Ranthe apresenta um personagem mais contido e a personalidade é mantida mesmo após ingerir álcool intensificando o domínio na construção do personagem. Porém,  Mads Mikkelsen é o protagonista e engrandece os conflitos internos de Martin. O ator intensifica ainda mais o equilíbrio entre o drama e humor em uma das melhores interpretações da carreira. O ator busca manter a intensidade e dramaticidade do protagonista. Uma pena que atores estrangeiros são esnobados desde sempre pela Academia porque Mads merecia uma indicação pelo trabalho. Druk é um filme autoral que toca em uma temática explorada diversas vezes no cinema, porém o olhar de Thomas Vinterberg o torna diferenciado, um trabalho para poucos. Poucos com Vinterberg.

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