No primeiro ato de Devorar o espectador é apresentado ao casal Hunter e Richie e aos poucos o que poderia ser uma trama previsível sobre uma protagonista solitária ganha contornos dramáticos. Tudo precisa estar intacto no mundo de aparências dos personagens. No momento em que Hunter decide substituir o vazio e a pressão por ser perfeita pelo hábito de "devorar" pequenos objetos o espectador observa uma inversão de gêneros. O drama familiar da protagonista é substituído por um terror psicológico que peca principalmente no ritmo.
Como o roteiro foca no estudo de personagem o espectador acompanha os conflitos internos e externos de Hunter. De dedicada dona de casa à uma jovem que não conseguiu superar traumas familiares. A princípio o vazio sentido pela protagonista se dá pela pressão dos parentes e do marido. A vida de Hunter gira em torno do humor de Richie, um deslize, que pode significar um breve momento de liberdade para a personagem, é sinônimo de reprovação do marido. A construção do estudo de personagem é bem desenvolvida pelo roteiro que aos poucos, mesmo que de forma introspectiva, alcança o espectador ao apresentar os dramas de Hunter. Se por um lado a personagem conduz a narrativa e desperta o interesse do público, o mesmo não se pode dizer de Luay. O personagem ganha relevância no terceiro ato, porém, a ausência do mesmo não prejudicaria o filme como um todo. Colocar uma pessoa somente para vigiar a protagonista sendo que na primeira oportunidade ela o engana facilmente somente demonstra a falta de desenvolvimento no arco do coadjuvante. Existe a questão da companhia e a justificativa que Luay nutre uma certa empatia por Hunter, mas a presença do personagem não é forte o suficiente.
A direção e a atuação dialogam com o vazio e atmosfera melancólica da protagonista. A simetria explorada durante o filme reflete a frieza dos relacionamentos familiares. A câmera intensifica o close em momentos de quebra do vazio quando Hunter sente que está no controle da situação ao esconder do marido que "devora" pequenos objetos e que até chega a colecioná-los. A ausência de simetria pode ser sentida nas sessões de terapia e durante todo o terceiro ato quando a protagonista se liberta do ambiente que a sufocava. Para intensificar ainda mais o vazio na narrativa, o diretor conta com o excelente trabalho de Haley Bennett. Parecendo uma boneca, a atriz aos poucos se solta a medida que os traumas são externados. É a presença de Haley que faz Devorar ter uma força a mais para envolver o espectador. Uma pena que a forma introspectiva da protagonista não dialogue com o ritmo da narrativa. Até o momento em que Hunter toma às rédeas da sua vida o filme se perde entre a simetria e a atuação. Haley está presente, mas o espectador necessita de algo a mais para permanecer no filme. A mudança de cenário e de atitude da protagonista proporcionam um ritmo diferenciado para a imersão do espectador. Vale permanecer junto com Hunter para sentir um desfecho libertador.
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