A vida é feita de momentos, alguns desejamos esquecer e outros eternizar na memória. Mas e se você tivesse a oportunidade de apagar para sempre uma pessoa, ou uma memória que causa profunda tristeza? Com um roteiro inusitado e edição apurada, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças provoca o espectador ao apresentar uma narrativa não linear. Como a premissa é envolver aos poucos o público no romance do casal, o vai e vém da trama causa certo desconforto proposital e instiga de forma gradual quem decide se aventurar.
O roteiro de Charlie Kaufman apresenta a indiferença de Clementine ao atender Joel em uma livraria. A situação logo é desvendada pelo protagonista. Sua companheira passou por um procedimento para apagar da memória qualquer lembrança do relacionamento que ambos tiveram. Incrédulo, Joel fica pensativo, mas decide passar pelo mesmo experimento. À medida que as memórias são apagadas o espectador reflete sobre os altos e baixos do relacionamento do casal. Joel possui uma personalidade pessimista e depressiva, já Clementine é pura impulsividade e bipolaridade. Os opostos se atraem, porém o desgaste da relação é inevitável. Os demais coadjuvantes contribuem somente para o experimento em si. O mais deslocado da trama é Patrick que pode despertar certo interesse ao tentar "ser" Joel, mas logo o roteiro o abandona para focar na trama principal. O mesmo acontece com Mary, assim que o conflito interno da personagem é apresentado quase que instantâneamente é resolvido. O foco desde o começo é o casal, o pouco ou eventual descarte de um coadjuvante não prejudica a intensidade do roteiro.
Em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças Jim Carrey está intenso e explora uma vertente diferenciada dos personagens cômicos que o tornaram conhecido do grande público. O olhar melancólico, a forma de andar acanhada e um sorriso que briga com a timidez são características marcantes de Joel. Kate Winslet é o oposto que equilibra a relação. De forma intempestiva a atriz apresenta a bipolaridade da Clementine tanto na atuação quanto nas cores do cabelo. O azul a torna mais melancólica e o laranja mais vibrante. O trabalho dos atores é destaque constante também no olhar de Michel Gondry. A câmera é intensa em Clementine e repleta de closes em Joel. É a vibração pulsante da impulsividade da figura feminina e a melancolia estática masculina.
Além do roteiro diferenciado o que envolve o espectador ao causar desconforto em um primeiro contato é o trabalho da montagem. O elemento narrativo instiga e faz com que um turbilhão de emoções venha à tona. O filme tinha tudo para ser um romance em que personalidades opostas se encontram beirando o clichê, mas o trabalho da montagem é um plot twist constante que faz toda diferença. Não existe uma linearidade no amor de Joel e Clementine, o que existe são momentos que se cruzam para chegar ao clichê do nada é para sempre. Afinal de contas, vida é um verdadeiro clichê ambulante, mas nada impede de você ser o protagonista e apresentá-la de forma atípica. O diferencial é como contamos.
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