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A única companhia é a solidão (Em Trânsito)


Em Trânsito explora o vazio dos protagonistas que tentam buscar um lugar para recomeçar. Além do vazio, outras subtramas são exploradas com igual intensidade. Georg foge da França por conta da ocupação nazista e assume a identidade de um famoso escritor. Ao chegar a Marseille, o protagonista começa uma peregrinação para permanecer no local. Mesmo com toda angústia em assumir a vida de outra pessoa Georg estabelece um primeiro vínculo com um garoto que o vê constantemente. Os planos do protagonista modificam drasticamente ao encontrar Marie. O olhar perdido de ambos os conecta durante todo o filme. 

 Georg não possui parada. O protagonista está em constante deslocamento. Durante os atos a mise-en-scène é ressaltada pelas andanças de Georg nas ruas em busca de afeto e contato. Marie também está em movimento procurando resgatar a figura do marido e seus documentos para enfim poder recomeçar. A dinâmica utilizada na mise-en-csène destaca o ritmo intenso da instabilidade dos personagens. A instabilidade física e emocional. Outro elemento narrativo importante é a trilha sonora que acompanha em momentos pontuais as subtramas do roteiro. O dedilhar do piano embala os percalços da dupla identidade do protagonista.

A atmosfera tensa presente na trama é reflexo da instabilidade do protagonista e coadjuvantes. O período histórico, o vazio dos personagens, a falta de esperança pela ausência de pertencimento e a busca pelo amor são explorados pela câmera de Christian Petzold com planos fechados e closes nos atores. Petzold ressalta ao máximo o trabalho dos atores em cena. O diretor reforça a troca de olhares entre o casal e aumenta gradativamente o envolvimento do espectador. Os planos fechados dialogam com a direção de arte. Os planos reforçam a falta de identidade presente na ausência de objetos cênicos dos hotéis precários e quartos com pouca estrutura. As cores dos cômodos são frias assim como o figurino dos personagens.   


As atuações movem com cautela a trama. Franz Rogowshi apresenta ao público um Georg com olhar distante e vazio. A falta de identidade e pertencimento acompanha de forma tocante o protagonista que estabelece um laço intenso com o espectador. Já Paula Beer reforça a solidão da personagem mesmo que ela seja a única na trama que permanece fisicamente em contato com o outro. Ela é o reflexo perfeito da solidão. O roteiro de também de Christian ressalta ao máximo as emoções mesmo que ao longo dos atos o distanciamento se torne o verdadeiro protagonista. Georg assume a vida de um escritor famoso, mas facilmente abre mão de várias situações pensando no próximo. O roteiro explora os arcos dos personagens que se conectam pela solidão. Solidão dos corpos e sentimentos. Os encontros e desencontros são reflexos de momentos ternos. A dramaticidade presente no arco dos personagens é intensa e explorada de forma leve. 

Em Transito é um belo filme que toca em subtramas que complementam a trama principal de forma envolvente. O duplo vazio dialoga perfeitamente com a falta de pertencimento dos personagens. Acompanhamos os conflitos do protagonista pela narração que reforça os acontecimentos e proporciona ritmo a narrativa. Esse elemento transforma o fato do protagonista ter sua vida contada como se fosse literalmente uma trama literária. Os arcos dos personagens são os capítulos da vida protagonizada por Georg. Uma vida onde a única companhia é a solidão.

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