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Quando o ego é o lado negro da força (Star Wars: A Ascensão Skywalker)


Quando J.J. Abrams deu início ao que seria uma trilogia dirigida com uma visão totalmente própria, o diretor não contava que seria substituído por Rian Johnson no segundo longa. Os rumos foram modificados no meio do caminho, mas o lado forte da força sempre falou mais alto após Os Últimos Jedi: o apelo dos fãs moveria o desfecho da Saga. No primeiro longa, O Despertar da Força, J.J. entregou o que os fãs queriam: um trio de protagonistas e um jovem tomado pelo lado negro da força. Em 2015, uma boa parte dos fãs não aceitou muito bem o protagonismo de uma mulher. A protagonista era o que a franquia necessitava para seguir os rumos tomados pela indústria na questão do empoderamento feminino. Apesar da reação negativa, J.J. resgatou o imaginário dos fãs com o retorno de personagens clássicos. Praticamente todos voltaram e o arco da jovem Rey cresceu. O primeiro filme da nova Saga teve uma aprovação de 83% no Rotten Tomatoes. Fãs parcialmente satisfeitos.

Em 2017, J.J. deixa a direção e Rian Johnson assume com uma visão autoral que modifica completamente a zona de conforto proposta no primeiro filme. O hate tomou conta da internet. Se Harrison Ford foi o personagem clássico com maior destaque em O Despertar da Força, Rian pelo menos proporcionou a Luke o devido protagonismo. O personagem foi fundamental na jornada de Rey. Mas será que a autoria de Johnson não foi longe demais? Luke literalmente jogou o sabre de luz para trás. A metáfora logo no começo do filme era clara: temos o temido filme do meio. Jogar o sabre demostra que as propostas do filme eram diferenciadas e Rey teria uma jornada conturbada pela frente. Seria razoável aceitar a mudança do personagem que lutou por décadas para se encontrar. Rey teria que atravessar a jornada sozinha. Kylo também travou sua batalha interna na tentativa de seduzir Rey para o lado negro da força. Entre os atos, Finn e Poe já formavam um casal no imaginário dos fãs. A questão é que a autoria de Rian não iria tão longe. O estúdio não bancaria o casal e uma nova personagem surge: Rose. Rose foi durante todo o filme um arco desperdiçado com a única motivação de ofuscar o par romântico. Ao menos, Rian conseguiu proporcionar para Luke um final digno e poético. O protagonista se sacrifica para um bem maior. Com 43% de aprovação no Rotten Tomatoes, a Disney ouve os fãs e chama novamente J.J. para finalizar a Saga com base na zona de conforto.     


O terceiro filme ressalta única e exclusivamente no ego dos envolvidos: diretor e fãs. Do diretor, que retomou o que foi proposto em O Despertar da Força, e fãs, que conseguiram o desfecho esperado. O ego realmente foi o fio condutor de A Ascensão Skywalker. O filme possui momentos importantes como o desfecho do casal Keylo. Sim, os fãs pediram e o casal ganhou as telas. Existe certa coerência no casal, já que em O Despertar ambos travaram batalhas e em Os Últimos Jedi, os personagens se aproximaram por telepatia (a força ganha contornos inesperados). Já no terceiro filme, eles finalmente uniram forças para derrotar Palpatine. Certa coerência, pois forçar um beijo após a redenção de Kylo, e, logo em seguida, os personagens não trocarem uma só palavra, tornou a cena um tanto quanto desnecessária. Aliás, o roteiro é repleto de momentos similares. Rey fica completamente perdida de tantas vezes que J.J. a faz jogar e pegar sabres de luz. São tentativas de brincar com a emoção do fã que resulta em sentimentos vazios. O filme é extremamente acelerado, não pelo ritmo em si, mas pela proposta de J.J. em amarrar pontas de Os Últimos Jedi e aflorar o próprio ego com piadinhas desmerecendo o trabalho de Rian. São piadas desnecessárias que poderiam ser deixadas de lado para desenvolver melhor os personagens Poe e Finn. OK, o casal não seria real nas telas, mas desenvolver novos personagens somente para evitar o casal chipado no imaginário do espectador só torna o filme cansativo. Porém, se tem um arco significativo no roteiro é o de Adam Driver. O personagem tem começo, meio e fim. Apesar do desfecho, Kylo teve uma jornada completa na Saga. 

Existe no decorrer do filme um jogo com os sentimentos do espectador, mesclado com personagens nostálgicos que camuflam a falta de coerência no roteiro. É a Rey que não sabe o que fazer com os sabres e personagens clássicos morrendo e voltando. São decisões feitas e desfeitas a todo o momento. Os atores fazem o que podem nessa concha de retalhos que se tornou o fechamento da Saga. O peso das revelações do terceiro ato só servem para anular o que foi proposto em Os Últimos Jedi. A cena do garotinho movendo a vassoura diz muito sobre a importância da autoria em Star Wars. Rey era uma ninguém, e seria, no mínimo, interessante de J.J. continuasse o que foi proposto por outro diretor. Mas como o ego fala mais alto, Rey tinha que ter uma relação com algum personagem da trilogia clássica. Não faz sentido a protagonista ser filha de pais alcoólatras e, posteriormente, ser neta de Palpatine. Um peso que não foi construído no imaginário do espectador. O desfecho só piora com a concha de retalhos de J.J. que joga o espectador para todos os lados sem concluir devidamente cada proposta. No Rotten Tomatoes, até o momento, o filme possui 86% de aprovação dos fãs. O que indica que os egos falaram mais alto. O questionamento que fica é se o ego permanecerá movendo a Saga ou o estúdio irá investir em algo novo?      


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