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Arte democrática (Downton Abbey)


Acredito que o cinema é uma arte extremamente democrática. O espectador pode escolher o gênero que mais se identifica ou se permitir e conhecer os demais que não está tão acostumado. Essa questão se encaixa perfeitamente em Downton Abbey. Compreendo quando dizem que filmes de época são para determinado tipo de público. O ritmo é diferenciado e os dilemas podem soar um tanto quanto fúteis perante o que enfrentamos em nosso cotidiano. Mas também compreendo que por ser uma arte democrática, o filme não é feito para um nicho específico, ele é voltado para o público em geral. Claro, o espectador que acompanhou as seis temporadas da série possui uma intimidade maior com os personagens, o que não quer dizer que o espectador leigo não consiga apreciar os conflitos da família Crawley. 

Na trama os Crawley estão aflitos e com os nervos em frangalhos. A família real vai pernoitar na mansão e tudo precisa estar em perfeita ordem, mesmo que nada esteja em ordem. A base da série é explorada ao longo do filme de forma leve e com o bom e velho humor britânico. A alternância entre as classes move a trama e ambienta o espectador nos conflitos internos de cada personagem. Existe um equilíbrio interessante no roteiro ao explorar os conflitos e proporcionar aos personagens momentos específicos para que o espectador possa se importar com cada arco apresentado ao longo dos atos. Algumas características marcantes são exploradas com mais intensidade no filme. A determinação de Mary ao assumir o peso de uma Crawley é explorada em vários momentos. A adorável, me permita a ironia, Senhora Violet, está com a língua mais afiada do que nunca e reforça o tom sarcástico que a acompanhou ao longo da série. Lady Edith quer mais do que participar de eventos e ficar sozinha em casa enquanto o marido precisa galgar um lugar na sociedade. O roteirista Julian Fellowes possui um olhar afetivo voltado para cada personagem, apesar do ritmo ser contemplativo e apressado ao mesmo tempo. Contemplativo, por ser um filme de época; apressado, por ter que englobar vários personagens e até introduzir outro que não existia na série. A pressa não é totalmente sentida, pois Julian foca em temáticas extremamente atuais de forma terna. 

O diretor Michael Engler adota movimentos de câmera que acompanham constantemente os personagens proporcionando agilidade ao filme. Uma agilidade que percorre todos os arcos da criadagem e senhores. A atmosfera tão típica dos filmes de época é explorada e envolve o espectador por completo. A contemplação nas reviravoltas proporcionadas pelo roteiro são captadas pela câmera de Michael com closes e primeiro plano apoiadas pela bela direção de arte como pano de fundo. Por falar em direção de arte, o que seria dos filmes de época sem esse elemento narrativo? Da riqueza de detalhes nos talheres até os grandes quadros pendurados na parede que enchem os olhos do espectador. São os coadjuvantes de luxo. O mesmo acontece com o figurino que transporta o público para a época retratada.


Um dos aspectos que fez a série ganhar público cativo é o elenco competente que consegue transmitir uma aura típica dos filmes de época. Os conflitos são resolvidos com delicadeza e nos cantos da mansão. Maggie Smith é a dona das pílulas cômicas soltas ao longo do filme. Porém, o destaque fica por conta dos criados. Todos os atores retomam aos seus papéis de forma afetuosa para o desfecho da família Crawley. Downton Abbey prova que o cinema antes de ser entretenimento é uma arte extremamente democrática que abraça todos os gêneros. 

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