Pular para o conteúdo principal

As diferentes prisões dos personagens (Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal)


Ted Bundy ficou conhecido em sete estados norte-americanos por matar trinta jovens, em sua maioria, universitárias. Autoridades afirmavam na época que o número de vítimas pode seria maior. Por longos anos o serial killer alegou inocência, mesmo após escutar o veredito pela sentença de morte. O filme de Joe Berlinger foca principalmente na persona de Ted e na repercussão do julgamento. O julgamento foi televisionado e ajudou a criar uma aura de glamorização em torno do assassino. Ted morreu eletrocutado em 89 e dizem as más línguas que partiu sorrindo. 

 A escolha do elenco de coadjuvantes faz a trama ficar interessante e envolvente. Uma ponta de James Hetfield como policial que captura Ted no primeiro ato, Haley Joel Osmet que cresce durante o filme como interesse amoroso de Liz, John Malkovich como juiz que proporciona os melhores momentos no terceiro ato equilibrando drama e comédia, Lily Collins divide o protagonismo de forma competente com Zac Efron entregue de forma diferenciada ao psicopata. A trama é divida entre a vida conjugal de Liz e Ted e os julgamentos do protagonista. A dupla consegue segurar o filme com interpretações intensas que ressaltam o amadurecimento dos atores. Lily tem uma entrega principalmente física reflexo do sofrimento pelos sucessivos julgamentos do marido. É comovente o trabalho realizado pela atriz entregue ao álcool e depressão. Zac Efron trabalha alguns trejeitos do serial killer, porém fica na zona de conforto no quesito charme e sedução. O território seguro não prejudica na composição do protagonista, muito pelo contrário, auxilia de forma convincente na construção da aura dúbia de Ted. No terceiro ato o personagem de John Malcovik, sendo John Malcolvik mais discreto, proporciona uma comicidade para o Juiz Edward Cowart. Haley Joel Osmet é pura sensibilidade como Jerry. O ator é essencial como alicerce psicológico de Liz. Um recomeço necessário para a dramaticidade da personagem. Se Liz possui um ponto de apoio para seguir em frente, Ted conta a ajuda de Carole, uma antiga paixão do passado, que ganha destaque na trama de forma significativa pelo trabalho de Kaya Scodelario. Todos do elenco trabalham em sincronia para proporcionar a reconstituição próxima das personas retratadas. 

Alguns elementos narrativos dividem o protagonismo com Ted Bundy e auxiliam na reconstituição da década de 1970.  A direção de arte está em toda parte do filme e transporta o espectador para a época retratada. Os carros, especialmente um fusca que servirá de pista para a polícia chegar em Ted, os telefones da casa de Liz e no trabalho da personagem como secretária e a televisão que transmite o noticiário sobre o julgamento final do protagonista e que auxilia no sofrimento constante de Liz são fundamentais para auxiliar na atmosfera da trama. Vale ressaltar também o figurino de Zac Efron. O protagonista sempre aparece de terno nos tribunais, o que contribui para que a aura sofisticada do personagem seja mantida até o desfecho da trama. Porém, o elemento narrativo que conduz a trama é a montagem que proporciona cortes sucessivos durante todo o filme. A montagem toma o protagonismo em vários momentos. A opção por sucessivos cortes prejudica o envolvimento do espectador com a construção dos personagens. Além da interrupção constante proporcionada pelo recurso, uma cena específica possui três cortes sucessivos sem necessidade prejudicando na química dos atores. O recurso do flashback para resgatar momentos afetivos do casal também não acrescenta em nada no arco da personagem de Lily. Por ser o recurso mais evidente e por ser utilizado de forma tão equivocada, o inevitável acontece e o filme perde força ao longo dos atos. 


Joe Berlinger conhece a fundo a vida de Ted Bundy. Ele é o diretor do ótimo documentário Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy, por essa razão a direção para a ficção parecia permeada pela segurança por dominar o retratado. No filme Joe opta pelo close e primeiro plano em vários momentos, um reflexo direto da confiança do diretor no trabalho dos atores. O filme perde a potência no suspense pelos sucessivos cortes e pela falta de química entre o casal. O diretor tenta a todo momento extrair a emoção dos atores que funcionam de forma intensa individualmente. Quando tomam as cenas para si Zac e Lily alcançam a intensidade no olhar que o diretor tanto procura em momentos decisivos na trama. O mesmo não é sentido pelo espectador na cena quando o personagem de Joel confronta Lilly e a indaga desejando que ela siga finalmente sua vida longe de Ted. A falta de química entre os atores é nítida e a direção de Joe prejudica a condução da cena. Assim, o diretor alterna momentos intensos dos personagens com outros que não dialogam com a força da trama e trajetória do protagonista. 

Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal retrata um período específico da vida do serial killer focando nos noticiários, julgamentos e no casamento do protagonista com Liz. A trama intensifica na persona envolvente e um tanto quando irônica de Ted. O filme ganha força ao focar de forma intensa no sofrimento da personagem de Lily Collins. O retrato da depressão e entrega para o vício do álcool proporcionam um protagonismo importante para a personagem ao reforçar diferentes aprisionamentos: o de Ted, e, consequentemente, o da esposa que decide viver em função de um sentimento que provavelmente nunca foi correspondido. As interpretações da dupla demonstram não somente o lado perverso contido em um aparente charme do psicopata como também de forma drástica o lado da vítima que foi inesplicávelmente poupada acreditando em um amor doentil. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

E o atendente da locadora?

Tenho notado algo diferenciado na forma como consumimos algum tipo de arte. Somos reflexo do nosso tempo? Acredito que sim. As mudanças não surgem justamente da inquietação em questionar algo que nos provoca? A resposta? Tenho minhas dúvidas. Nunca imaginei que poderia assistir e consumir algum produto em uma velocidade que não fosse a concebida pelo autor. A famosa relíquia dos tempos primórdios, a fita VHS, também nos aproximava de um futuro distópico, pelo menos eu tinha a sensação de uma certa distopia. Você alugava um filme e depois de assistir por completo, a opção de retornar para a cena que mais gostava era viável. E a frustração de ter voltado demais? E de não achar o ponto exato? E o receio de estragar a fita e ter que pagar outra para o dono da locadora? Achar a cena certinha era uma conquista e tanto. E o tempo...bom, o tempo passou e chegamos ao DVD. Melhoras significativas: som, imagem e, pasmem, eu poderia escolher a cena que mais gostava, ou adiantar as que não apreciav...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...

Uma provável franquia (Histórias Assustadoras para Contar no Escuro)

Um grupo de amigos que reforça todos os estereótipos possíveis, a curiosidade que destaca os laços da amizade, uma lenda sobre uma casa assombrada e desaparecimentos constantes. Histórias Assustadoras para Contar no Escuro apresenta uma trama previsível repleta de referências à filmes  e séries lançadas recentemente como It: A Coisa e Stranger Things. É a velha cartilha de Hollywood: se deu bilheteria em um estúdio à tendência é repetir a dose. Apesar dos elementos e trama repetitivos, sempre vale a pena assistir novos atores surgindo e diretores principiantes com vontade de mostrar trabalho. É o que acontece neste filme produzido e roteirizado por Guilhermo Del Toro . Nada de muito inovador no gênero, o jumpscare reina, porém com o olhar criativo da direção e uma nova geração afiada, o filme ganha o envolvimento do espectador.  O roteiro gira em torno de um grupo de amigos excluídos que finalmente tomam coragem para enfrentarem os garotos mais valentes. Assustados, o ...