Pular para o conteúdo principal

Para acalentar corações (Tolkien)


Tolkien é a cinebiografia do criador de O Senhor dos Anéis. A trama começa com J. R. R. Tolkien ainda garoto passando por dificuldades após perder a mãe. Vivendo em um orfanato, o jovem busca refúgio em leituras. O protagonista faz amizades e descobre o poder das artes para atravessar períodos complexos. 

Durante os três atos, a trama alterna momentos do protagonista com uma aura que lembra bastante o da trilogia do O Senhor dos Anéis. A montagem auxilia de forma intensa os momentos mais dramáticos e leves da vida de Tolkien. De forma sábia, quando a montagem foca na Segunda Guerra, a inspiração para a terra média surge e assombra o protagonista. Já nos momentos mais românticos, o elemento narrativo proporciona leveza para a inspiração da literatura focada no anel e vocabulário do que seria uma das maiores trilogias voltada para o gênero da fantasia. Outro elemento narrativo que reforça a aura da trilogia é a trilha sonora com sons de flauta. A fotografia também alterna momentos sensíveis com paleta de cores quentes e a Guerra com cores frias. Vale destacar os figurinos e a direção de arte. Boa parte do relacionamento de Tolkien é voltado para esses elementos que reforçam as diferenças sociais de Tolkien e Edith perante a classe dominante.

Tolkien intensifica a leveza e irmandade presentes no roteiro muito por conta do elenco. Cada ator contribui significativamente para o envolvimento do espectador. Nicolas Hoult como protagonista alterna conformismo, lealdade e persistência para compor Tolkien. Os demais atores buscam transmitir vivacidade para seus personagens. O destaque fica para Anthony Boyle como Geoffrey. O personagem vive o dilema entre seguir o sonho de ser poeta ou ceder à pressão dos pais. A Guerra separa o grupo idealista e sonhador,  mas o poder da arte permanece e marca a vida do quarteto. A personagem de Lily Collins reforça a posição da mulher na sociedade.  A cena em que Edith participa de uma reunião com o quarteto de amigos é muito significativa e reforça esse aspecto proporcionando um arco interessante para a personagem além do interesse amoroso.


O Roteiro de David Gleeson transita com fluidez pelas faces da vida do protagonista. Quando criança, o espectador tem contato com dois elementos que percorrem toda a narrativa: o fascínio pela leitura e a imaginação fértil. Durante os atos, outro elemento importante que move a trama e o arco dos personagens é a amizade do quarteto. Existe o estereótipo de cada amigo, mas essa característica serve de elo para tornar a trama mais envolvente. Impossível não traçar um paralelo da relação de Tolkien e Geoffrey com Frodo e Sam. E outras referências surgem de forma fluída no roteiro.  

Perto do desfecho, o protagonista encontra com a mãe de Geoffrey e pede autorização para escrever um prefácio e publicar o trabalho do amigo. No diálogo Tolkien destaca a importância da arte em tempos difíceis. O mundo vivia as consequências da Segunda Guerra e a mãe de Geoffrey compreende que o trabalho do filho tem como objetivo algo maior. Assim como no filme, a arte imita a vida e Tolkien consegue até hoje acalentar corações em tempos difíceis.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Isso parece uma novela" (Bad Boys Para Sempre)

O começo de Bad Boys Para Sempre é basicamente um resgate do primeiro filme dirigido por Michael Bay. Mike e Marcus estão em um carrão em alta velocidade trocando ofensas e piadas enquanto percegue suspeitos. Além de todas as referências, a trama gira em torno de vingança, uma vingança mexicana. Sim, os vilões são mexicanos. Bandidos de um lado, policiais do outro e segredos revelados.  Will Smith sabe como lucrar na indústria, apesar de algumas escolhas equivocadas em projetos passados, Bad Boys Para Sempre parece uma aposta acertada do produtor. Desde o primeiro longa a química entre os atores é o que move a trama e na sequência da franquia não seria diferente. Martin e Will são a ação e o tom cômico da narrativa. Os opostos são explorados de forma intensa. Martin está mais contido com a chegada do neto e Will na intensidade de sempre. As personalidades se complementam apesar da aposentadoria momentânea de Marcus. Tudo ganha contornos diferenciados quando a família em to...

O Mito. A lenda. O Bicho-Papão. (John Wick : Um Novo Dia Para Matar)

Keanu Reeves foi um ator que carregava consigo o status de galã nos anos 80. Superado o estigma de ser mais um rosto bonito em Hollywood, o que não se pode negar é a versatilidade do astro ao escolher os personagens ao longo de décadas. Após a franquia Matrix, Keanu conquistou segurança ao poder escolher melhor os personagens que gostaria de interpretar. John Wick é o novo protagonista de uma franquia que tem tudo para dar certo. Um ator carismático que compreendeu a essência do homem solitário que tinha com companhia somente um cachorro e um carro. Após os eventos do primeiro filme, De Volta ao Jogo, Keanu retorna com John Wick repetindo todos os aspectos narrativos presentes no filme de 2014, mas com um exagero que faz a sequência ser tão interessante quanto o anterior. O protagonista volta aos trabalhos depois de ter a casa queimada. Sim, se as motivações para toda a ação presente no primeiro filme eram o cachorro e um carro, agora, o estopim é uma casa. Logo na primeir...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...