Divino Amor é um filme que envolve o espectador pelos questionamentos. O mundo apocalíptico proposto por Gabriel Mascaro está logo ali, em 2027. Os personagens aguardam o retorno do Messias embalados por raves. Na trama, o foco é a personagem de Dira Paes, extremamente devota, que espera um sinal divino: um fruto do amor com Danilo. O casal enfrenta dificuldades buscando refúgio no culto secreto cujo lema é : " Quem ama não trai, quem ama divide". No decorrer dos atos, Gabriel apresenta ao espectador uma trama com temáticas próximas da realidade brasileira.
Joana trabalha como escrivã em um cartório tentando evitar que casais comecem o processo de divórcio. Enquanto o espectador acompanha os rituais presentes no culto do Divino Amor, a narração em off é o destaque. Existe o incômodo provocado pelo recurso no primeiro ato, mas aos poucos o espectador vai se acostumando com a narração, pois ela é de fundamental importância para ressaltar o elo com a protagonista. Todos os coadjuvantes contribuem para enriquecer a trama. A profundidade dos personagens reforça questionamentos, mas não propõe julgamentos. A religião acompanha Joana de forma cotidiana e livre. No ambiente profissional e pessoal a religião move a protagonista sem preconceitos. O fato de Joana utilizar seu cargo no cartório para recrutar membros para o culto a faz acreditar no bem que a religião pode fazer por cada casal. O roteiro explora certos aspectos e faz com que o espectador tome suas próprias conclusões. Durante os atos, o espectador é indagado por questionamentos de cunho antropológico e filosófico com um invés contemplativo.
Vale destacar alguns elementos narrativos que contribuem de forma significativa para fazer de Divino Amor um filme importante para uma nova safra criativa do cinema nacional. A direção de arte ressalta a atmosfera apocalíptica da trama. As reuniões de Amor Divino ganham um aspecto futuresco e envolvente. Já o trabalho de Joana reforça não somente o cuidado da direção de arte, como também destaca o controle do estado. Outro elemento que casa perfeitamente com a direção de arte para destacar o aspecto apocalíptico presente na trama é a fotografia. O neon embala as reuniões do culto intensificando a entrega sexual dos personagens. Ao mesmo tempo em que Joana está imersa em um ambiente apocalíptico, a simplicidade acompanha a protagonista. O figurino da personagem é extremamente simples quando ela está em casa. Assim, os elementos narrativos equilibram o moderno e a simplicidade no filme.
Gabriel Mascaro é um diretor autoral que presa pela criatividade de forma visceral. Na trama, o teor sexual é explorado de forma intensa e crua pelo diretor. A entrega dos atores reforça a confiança e segurança de Gabriel ao conduzir as cenas. Existe uma contemplação necessária para que a empatia seja estabelecida entre Joana e o espectador. Gabriel equilibra a condução explorando com leveza e intensidade os arcos dos personagens. Joana ganha o filme para si no final do segundo ato, quando Gabriel reforça a centralização da protagonista na mise-en-scène. Além do completo domínio de Gabriel na direção, Divino Amor ganha força pela presença marcante de Dira Paes. O filme é voltado para a atriz que compõe Joana de forma suave e reflexiva. As indagações de Joana ganham uma aura leve na interpretação da atriz. Uma suavidade que dialoga perfeitamente com a trama religiosa no filme. Emílio de Mello também apresenta uma suavidade ao interpretar o pastor. O que move o ator são as indagações propostas para a protagonista que intensificam a comicidade do personagem. Dira e Emílio proporcionam equilíbrio entre o humor e drama na trama.
Após o término da sessão a sensação que Divino Amor provoca no espectador é de liberdade. Liberdade para refletir sobre as temáticas propostas no roteiro. Liberdade para questionar a empatia estremecida após o plot twist envolvendo a protagonista. Liberdade de Gabriel Mascaro em ir além e propor novos rumos para o cinema nacional.
Comentários