Pular para o conteúdo principal

Busca pela autoria de forma tocante (Anos 90)


Podemos arriscar que Anos 90 é uma cinebiografia juvenil. Ao assumir a direção e roteiro, Jonah Hill consegue não somente imprimir um tom autoral cativante que envolve o espectador, como também busca no olhar do protagonista Stevie, um olhar sofrido de amadurecimento. A trama gira em torno do adolescente Stevie que tenta lidar com uma família instável e com os próprios conflitos em busca de crescimento, nem que para isso ele precise colocar a vida em risco com o intuito de simplesmente ser aceito e ganhar um apelido no grupo. 

A direção de Jonah Hill é leve e solta centrada na atuação dos atores. O primeiro plano é o destaque entre os atos. Sabiamente, Hill escala um ator iniciante para transmitir naturalidade e combinar a atuação do jovem com elementos narrativos característicos da época. A razão de aspecto não toma a tela por completo e a fotografia granulada transporta o espectador diretamente para os anos 1990. A câmera acompanha constantemente o grupo de jovens e os conflitos vividos por cada um. A estreia do diretor imprime um resgate visual, mas também uma atmosfera autoral. Um filme típico do cinema independente que explora a falta de recursos como virtude. 

Os elementos narrativos são ressaltados de forma intensa. Os destaques são a trilha sonora, figurinos e direção de arte. A trilha resgata a nostalgia do espectador que foi jovem nos anos 90. Bandas marcantes da época alternam momentos de dramaticidade e comicidade. A música que acompanha constantemente os atores por vezes torna-se excessiva. O elemento narrativo é mesclado com o som diegético proporcionando a sensação de uma playlist infinita e  extremamente cansativa. O silêncio é explorado em poucos momentos e o respiro do espectador é momentâneo. Já o figurino reflete três aspectos marcantes do roteiro: a identificação com um grupo, a época e juventude. Detalhes como uma cômoda velha, a parede com tons neutros e os típicos cartazes de bandas famosas no quarto refletem os arcos dos personagens no núcleo familiar.


O foco do roteiro de Johan Hill é o amadurecimento de Stevie. Existem momentos em que o protagonista é claramente coadjuvante para que os demais sejam destaque. Esse aspecto de alternância dos personagens é fundamental para o envolvimento do espectador. Quando o grupo se reúne, diversas subtramas são exploradas: imigração, preconceito, violência no ambiente familiar, busca por sonhos, mudança de vida, aceitação e pressão do grupo. Subtramas que fazem a trama central ficar mais rica. Outro aspecto que evidência a naturalidade com que as subtramas são exploradas é a entrega dos atores. Sunny Suljic possui uma atração espontânea e necessária com a câmera. Acompanhamos os conflitos do protagonista, mas os demais atores também contribuem bastante para a essência do filme. 

Anos 90 é o típico filme com aura independente de cinebiografia. O roteiro centraliza a visão intimista e pessimista de um jovem em busca crescimento pessoal e aceitação no grupo. O olhar de Jonah é leve e sensível e vai além dos conflitos internos de Stevie. Hill consegue explorar subtramas importantes mescladas com a trilha que ambientou a época do grunge americano. Apesar de alguns tropeços, especialmente na falta de pulso ao conduzir cenas dramáticas e a constante trilha, os aspectos positivos são infinitamente melhores e faz de Anos 90 um filme que busca autoria em uma estreia tocante. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Isso parece uma novela" (Bad Boys Para Sempre)

O começo de Bad Boys Para Sempre é basicamente um resgate do primeiro filme dirigido por Michael Bay. Mike e Marcus estão em um carrão em alta velocidade trocando ofensas e piadas enquanto percegue suspeitos. Além de todas as referências, a trama gira em torno de vingança, uma vingança mexicana. Sim, os vilões são mexicanos. Bandidos de um lado, policiais do outro e segredos revelados.  Will Smith sabe como lucrar na indústria, apesar de algumas escolhas equivocadas em projetos passados, Bad Boys Para Sempre parece uma aposta acertada do produtor. Desde o primeiro longa a química entre os atores é o que move a trama e na sequência da franquia não seria diferente. Martin e Will são a ação e o tom cômico da narrativa. Os opostos são explorados de forma intensa. Martin está mais contido com a chegada do neto e Will na intensidade de sempre. As personalidades se complementam apesar da aposentadoria momentânea de Marcus. Tudo ganha contornos diferenciados quando a família em to...

O Mito. A lenda. O Bicho-Papão. (John Wick : Um Novo Dia Para Matar)

Keanu Reeves foi um ator que carregava consigo o status de galã nos anos 80. Superado o estigma de ser mais um rosto bonito em Hollywood, o que não se pode negar é a versatilidade do astro ao escolher os personagens ao longo de décadas. Após a franquia Matrix, Keanu conquistou segurança ao poder escolher melhor os personagens que gostaria de interpretar. John Wick é o novo protagonista de uma franquia que tem tudo para dar certo. Um ator carismático que compreendeu a essência do homem solitário que tinha com companhia somente um cachorro e um carro. Após os eventos do primeiro filme, De Volta ao Jogo, Keanu retorna com John Wick repetindo todos os aspectos narrativos presentes no filme de 2014, mas com um exagero que faz a sequência ser tão interessante quanto o anterior. O protagonista volta aos trabalhos depois de ter a casa queimada. Sim, se as motivações para toda a ação presente no primeiro filme eram o cachorro e um carro, agora, o estopim é uma casa. Logo na primeir...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...