Pular para o conteúdo principal

Sem base, não existe filme (Hotel Artemis)



A ficção está próxima da realidade. Na ficção científica Hotel Artemis, a população provoca uma rebelião por uma crise hídrica. Judie Foster administra o hotel e hospeda os diversos personagens que o roteiro insere na trama. Entre os atos, os personagens surgem para criar a tensão que o filme necessita. A atmosfera tensa é ressaltada logo nas primeiras cenas. Na trama, Jodie Foster é uma enfermeira que estabele regras para que o hotel permaneça em ordem. Dentre os hóspedes estão assassinos e criminosos poderosos. A protagonista tenta salvar vidas enquanto a rebelião é travadas nas ruas. 

Hotel Artemis possui uma premissa interessante e atores competentes, mas o filme se perde constantemente justamente por possuir um leque diversificado de personagens. Podemos fazer uma referência aos hotéis tradicionais onde os hóspedes ficam por uma noite e logo em seguida deixam o local. O roteiro transmite essa sensação a todo o momento para os espectador. Os personagens estão somente de passagem, pois o arco de todos não é desenvolvido o suficiente para envolver o público. Para criar a tensão dentro da trama é preciso estabelecer um conexão com o espectador. A cada momento ocorre o oposto em Hotel Arrtemis. O filme acaba e não sabemos quase nada sobre os personagens. Alguns poderiam ser facilmente descartados, como no caso de Acapulco e Crosby. Perto do desfecho, Acapulco possui relevância desnecessária que gera uma tensão sem propósitos no terceiro ato. Já Crosby parece o espectador, sem saber o que fazer e na ausência de propósito dentro da trama fica perdido e totalmente sem rumo.

Com nomes conhecidos da tv e do cinema, o filme poderia crescer e ganhar força nas atuações. Jodie Foster interpreta a enfermeira que salva vidas e que faz de tudo para apagar lembranças dolorosas do passado. A protagonista sofre de ansiedade e a atriz proporciona detalhes, mesmo que caricatos, interessantes para a protagonista que geram empatia no espectador. A forma de andar, o humor sarcástico, a maneira como olha e o jeito de falar são detalhes que a atriz empresta para a personagem e que revela ao espectador o trabalho de construção de Foster. Os demais nomes do elenco tentam fazer o possível com a falta de desenvolvimento do roteiro.  Sterling K. Brown tem presença forte em cena, mas transmite uma densidade na interpretação desnecessária para Waikiki. O sofrimento e a doação pelo irmão dependente químico é tocante, mas o roteiro explora uma camada diversificada para o personagem que não sabemos ao certo o quanto é relevante para a trama. Não se pode cobrar do restante do elenco atuações interessantes com um roteiro que se quer proporciona um norte para os atores. Infelizmente, o elenco não consegue segurar por muito tempo o caos instalado no filme. 




O contraste entre o tecnológico e a atmosfera desgastada do local se deve ao trabalho envolvente da direção de arte. O cenário é rusto e dialoga com a fotografia de paletas quentes provocando no espectador a sensação de inserção no ambiente proposto pelo filme. Se o roteiro afasta o espectador, a direção de arte consegue estabelecer uma ligação mínima do público com a trama. Outro elemento importante para o envolvimento do espectador é a direção de Drew Pearce. O diretor consegue criar uma atmosfera tensa no primeiro ato com o assalto dos irmãos Waikiki e Honolulu. Assim, ao longo de toda a trama, o diretor provoca no espectador a tensão presente de forma constante na condução do filme. O problema é o roteiro que sempre provoca o distanciamento do espectador e afeta consideravelmente os demais elementos narrativos.

Hotel Artemis possui uma premissa interessante e um elenco extremamente competente que se perde dentro de um roteiro confuso. Personagens entram na trama e ganham destaque sem possuírem a mínima relevância para o todo. São tantos personagens sem desenvolvimento que o interesse do espectador se perde no meio do caminho. Mesmo com o intenso trabalho da direção de arte e a câmera segura do diretor Drew Pearce para proporcionar suspense e tensão, se a base não é desenvolvida o suficiente, ela prejudica todo o andamento da trama. A base, neste caso, o roteiro, não envolve o espectador e se quer trabalha o arco dos personagens. Infelizmente, Hotel Artemis se perde no caminho por não possuir uma base. E sem base, não existe filme.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

E o atendente da locadora?

Tenho notado algo diferenciado na forma como consumimos algum tipo de arte. Somos reflexo do nosso tempo? Acredito que sim. As mudanças não surgem justamente da inquietação em questionar algo que nos provoca? A resposta? Tenho minhas dúvidas. Nunca imaginei que poderia assistir e consumir algum produto em uma velocidade que não fosse a concebida pelo autor. A famosa relíquia dos tempos primórdios, a fita VHS, também nos aproximava de um futuro distópico, pelo menos eu tinha a sensação de uma certa distopia. Você alugava um filme e depois de assistir por completo, a opção de retornar para a cena que mais gostava era viável. E a frustração de ter voltado demais? E de não achar o ponto exato? E o receio de estragar a fita e ter que pagar outra para o dono da locadora? Achar a cena certinha era uma conquista e tanto. E o tempo...bom, o tempo passou e chegamos ao DVD. Melhoras significativas: som, imagem e, pasmem, eu poderia escolher a cena que mais gostava, ou adiantar as que não apreciav...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...

Uma provável franquia (Histórias Assustadoras para Contar no Escuro)

Um grupo de amigos que reforça todos os estereótipos possíveis, a curiosidade que destaca os laços da amizade, uma lenda sobre uma casa assombrada e desaparecimentos constantes. Histórias Assustadoras para Contar no Escuro apresenta uma trama previsível repleta de referências à filmes  e séries lançadas recentemente como It: A Coisa e Stranger Things. É a velha cartilha de Hollywood: se deu bilheteria em um estúdio à tendência é repetir a dose. Apesar dos elementos e trama repetitivos, sempre vale a pena assistir novos atores surgindo e diretores principiantes com vontade de mostrar trabalho. É o que acontece neste filme produzido e roteirizado por Guilhermo Del Toro . Nada de muito inovador no gênero, o jumpscare reina, porém com o olhar criativo da direção e uma nova geração afiada, o filme ganha o envolvimento do espectador.  O roteiro gira em torno de um grupo de amigos excluídos que finalmente tomam coragem para enfrentarem os garotos mais valentes. Assustados, o ...