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Um desfecho libertador (Temporada)


Juliana começa um novo emprego na periferia de Contagem. Sozinha e sem muitos contatos, somente o da prima que arruma uma casa para a protagonista morar, ela espera que o marido a encontre para finalmente recomeçar. No meio do caminho Juliana encontra um grupo diversificado e que aos poucos faz a protagonista voltar a sorrir. O que Temporada consegue explorar de forma leve e com extrema fidelidade é a atmosfera. Todas as cenas do longa resgatam o calor humano mineiro conhecido de todo brasileiro. Juliana trabalha no combate de endemias e precisa entrar na casa da população local. Sabe o cafezinho e o bolo de fubá que todos oferecem quando vamos visitar algum conhecido ou parente em Minas? O longa aborda. Sabe aquelea expressão de que todo mineiro é acolhedor? Juliana mal entrou no emprego e parece que todos ao seu redor a conhecem por vários anos. O acolhimento e carisma dos coadjuvantes reforça essa atmosfera de aproximação com a protagonista.

O que auxilia também na atmosfera do longa é a direção de arte que proporciona ao espectador a imersão na vida pacata de cidade interiorana e no recomeço difícil de Juliana. A casa com problemas na descarga, a falta de móveis e caixas de papelão como decoração na casa. Tudo simboliza o recomeço protagonista. Outro local que necessita de reformas é o ambiente de trabalho. A direção de arte também proporciona ao espectador uma atmosfera simples no aniversário de Alex e no salão de beleza, onde Buzzão deseja aprender um novo ofício, mesmo sem saber nada de cortes de cabelo. Outro elemento que ambienta os personagens na vida interiorana de Minas é a fotografia. A casa humilde de Juliana é destacada por cores quentes. Já nas ruas onde os personagens trabalham é utilizada uma fotografia com cores mais leves que lembre o cotidiano voltado para a rotina no trabalho.

Além da atmosfera que é a verdadeira protagonista de Temporada, as atuações também são destaque durante todo o filme. Grace Passô já havia mostrado dualidade e competência em Praça Paris. Já no recente trabalho, a atriz empresta uma dualidade diferenciada para Juliana. Dualidade que explora reclusão e ao mesmo tempo abertura para o contato com os demais. Aos poucos o espectador sabe o necessário sobre a vida de Juliana. Não é preciso saber muito, afinal, Juliana é o reflexo de várias mulheres brasileiras que sofrem por um trauma durante anos e que no contato com o outro começa a ver sentido na vida. Um dos contatos que mais proporciona alegria para a protagonista é Buzzão, um coadjuvante necessário para equilibrar o longa. O personagem é aquele amigo que queremos sempre ter por perto. 


A direção de André Novais é leve e transmite a todo momento a sensação de vida e cotidiano do interior. A câmera não proporciona takes e ângulos diferenciados. A sensação que se tem é de que André priorizou a atuação para que o filme tivesse um envolvimento maior do espectador. Vários desses momentos são em primeiro plano para que a protagonista conte e vivencie dilemas importantes para a sua trajetória. Focar nos coadjuvantes também é fundamental para equilibrar o tom do longa. O diretor prioriza os encontros de Juliana com os demais personagens para que todos tenham um arco completo no decorrer do filme. 

A atmosfera é a verdadeira protagonista de Temporada. Os demais elementos narrativos destacam aspectos importantes do cotidiano com simplicidade. Uma simplicidade que em nenhum momento deve ser confundida com ausência de profundidade. O roteiro explora com delicadeza e profundidade dramas importantes para que o espectador tenha envolvimento com todos os arcos dos personagens. Temporada equilibra perfeitamente drama e humor e proporciona ao espectador um desfecho libertador. 

*Longa exibido na Mostra Competitiva do 51° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 
*Prêmios: Melhor Longa, Melhor Atriz, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Direção de Arte e Melhor Fotografia

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