Sonata de Outono explora o embate entre duas mulheres. Mãe e Filha. A primeira, de personalidade forte, a segunda, frágil que carrega consigo traumas intensos do passado. Com a morte do marido,Charlotte envia uma carta para Eva que aceita hospedar a mãe durante o período de luto. Logo ao chegar com as malas, Bergman ambienta o espectador e apresenta a personalidade das mulheres retratadas. A mãe torna-se o centro das atenções. Durante o primeiro ato, Charlotte imprime sua personalidade com um monólogo que esboça egocentrismo. A perda do marido a deixa sensível, mas não frágil a tal ponto de deixar a filha se expressar. Tudo gira em torno da personagem justamente para que o espectador perceba a força que a mãe impõe sobre a filha. Eva logo demonstra ser uma pessoa reprimida e medrosa com a presença da mãe.
Durante todo o filme uma marca interessante de Bergman reflete a batalha interna das protagonistas. O diretor trabalha a mise-in-scène de maneira precisa para destacar a interpretação das atrizes. Sempre uma ao lado da outra. As interpretações movem todo o filme. Alternando o foco e destacando o monólogo das personagens, o espectador compreende, ou ao menos tenta refletir sobre os traumas de cada personagem. Além do posicionamento em cena refletir o embate entre as personagens, durante todo o filme o espectador tem a sensação de estar diante de uma peça de teatro. A movimentação dos atores em cena imprime um aspecto intenso de uma peça teatral, o que proporciona força e intensidade para as interpretações. Outro elemento narrativo importante para compreensão da personalidade da dupla é o figurinho. Ao preparar a mesa para o jantar, Eva comenta : "Ela vai vestir preto para expressar o luto." Na cena posterior Bergman foca a personagem repetindo a fala da filha e para contrariá-la veste vermelho. O vermelho possui um propósito para Charlotte. Reforça a personalidade forte da protagonista, o domínio que ela exerce sobre a filha e a vaidade da mãe. Já Eva sempre usa roupas com cores apagadas e sem vida ressaltando a personalidade reprimida e criança que não cresceu.
Bergman intensifica pelo zoom in a interpretação da dupla. Ingrid Bergman imprime a presença forte de Charlotte ao longo da trama. Mesmo em momentos de fragilidade, Ingrid permanece firme. O embate cresce a cada cena junto com a interpretação das atrizes. A imersão do espectador também cresce gradativamente. No meio do segundo ato, após alguns copos de vinho, Eva consegue explodir todo o ódio que sentiu durante anos pela mãe. Liv Ullman apresenta as camadas de Eva ao espectador. Quando explode os rancores do passado imediatamente a empatia toma conta do público. Como ser indiferente ao que a personagem sente ? As interpretações tão particulares se complementam. A filha consegue dizer o que sentia e reprimia pelo medo. A mãe procura justificativas pela sua ausência. Cada atriz compreende perfeitamente a dor particular das protagonistas. O que se tem em tela é um jogo intenso de personalidades caucadas no talento de Ingrid e Liv.
Além do domínio como diretor, Bergman era um excepcional roteirista e compreendia com poucos a alma feminina. Sonata de Outono vai além do embate entre mãe e filha. O filme é um exercício intenso e dramático sobre os traumas de cada personagem. Bergman consegue imprimir nos diálogos a dor existente no ser humano. Não há indiferença por parte do espectador. É compreensível o sofrimento da filha que reprimia o medo que sentia com às idas e vindas da mãe. Aos poucos Bergman dosa os conflitos dentro da trama. A intensidade entre o amor e ódio move às ações de Eva. O diretor encontra o equilíbrio das personalidades fazendo com que o espectador se identifique com ambas. Charlotte decide viver a vida e evita ao máximo o contato com a filha mais nova portadora de necessidades especiais. O abandono das filhas para priorizar a carreira vem à tona em vários momentos no roteiro. Não existe superação para traumas do passado, somente a tentativa de expressar o que se sente. Odio, mágoa, rancor, pena, medo e um pedido inesperado de ajuda. Todos os sentimentos expressos de forma intensa e precisa no roteiro de Bergman.
Sonata de Outono é mais um exemplar intenso e verdadeiro da filmografia de Bergman. A compreensão da alma e tormento feminino é abordado novamente pelo diretor e imeditamente o espectador é inserido na trama. Cada personagem possui o equilíbrio necessário em tela para que a empatia seja estabelecia. A conexão do espectador com as protagonistas é reflexo do intenso trabalho de Ingrid e Liv. A forma zelosa presente no primeiro ato, logo se transforma nos demais graças a alternância de camadas presente nas protagonistas. São duas mulheres marcadas pelo passado. Charlotte se esconde na firmeza e Eva finalmente consegue se expressar e falar verdades que Charlotte internamente já sabia. Com a movimentação em cena, interpretações fortes e o domínio de Bergman na direção, o espectador presencia uma trama verdadeira sobre o poder intenso dos laços familiares.
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