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O envolvimento intenso do espectador (Aos Teus Olhos)



Aos Teus Olhos é um filme que preza pela dualidade. Dualidade presente nos personagens, roteiro, enquadramentos e mise-en-scène. Emblemática a imagem do cartaz onde enfatiza o reflexo do protagonista. A todo instante o roteiro levanta questionamentos que instantaneamente fazem o espectador permanecer na trama. Rubens é professor de natação e em um determinado momento é acusado de acariciar um menor. Indícios fortes fazem o espectador refletir que Rubens pode ser culpado, mas o roteiro também reforça o contrário. O roteiro de Lucas Paraizo consegue balancear essa dualidade, mas peca em levantar aspectos que no todo são irrelevantes para a trajetória dos personagens. Qual a importância em deixar explícito que o pequeno Alex gosta de jogos violentos ? Ou quando Davi enfatiza que têm amigos gays? Ou uma cena de sexo totalmente gratuita somente para evidenciar a provável homossexualidade do protagonista? 

O embate dos diálogos deixa o filme com a atmosfera mais densa e claustrofóbica. Para dar mais leveza, entre os atos, o protagonista sempre mergulha na piscina e a câmera da diretora Carolina Jabor foca na feição e sorriso de Daniel de Oliveira. A mese-en-scène evidencia o embate entre os atores. Sempre de frente um para o outro, ou quando existe pressão o personagem que pressiona sempre está em pé em uma posição de superioridade. Os enquadramentos também enfatizam o enclausuramento dos personagens no canto da tela. 

O elenco escolhido de forma peculiar reforça a dualidade presente no roteiro. Daniel de Oliveira ao longo do primeiro ato é pura simpatia com crianças e adolescentes no ambiente de trabalho. Sorridente e brincalhão. Impossível ter dúvidas sobre as intenções do professor. Mas fotos com as alunas adolescentes e a maneira maliciosa com que ele se refere ao corpo delas com o companheiro de trabalho Heitor começa a demonstrar uma outra faceta do personagem. Daniel explora com competência as nuances presentes no roteiro. O silêncio do pequeno Alex é reflexo da educação rígida e do lar desestruturado em que ele vive. Marco Ricca explora o personagem de forma introspectiva reflexo da dúvida que o personagem carrega consigo, somente no final do segundo ato que a atuação do ator fica mais explosiva,pois dialoga com as ações da mulher. Malu Galli tenta ter pulso firme, mas se entrega as diversas pressões que sofre ao longo da trama.  A mais deslocada e fora de todo o contexto é Luísa Arraes que aparece como defensora do namorado, porém, o arco da personagem não possui força suficiente.  
   



A ausência de trilha sonora no primeiro ato fica mais evidente nos dois últimos pela gradação da tensão. No terceiro ato o papel da mídia reforça ainda mais os questionamentos presentes no roteiro. Sempre que o ritmo fica um pouco mais lento, o roteiro intensificado pela trilha explora aspectos interessantes para o debate. O fato do colega de trabalho encontrar a sunga de Alex no armário de Rubens e a matéria em um site reforçando e insinuando a culpa do protagonista retomam o ritmo tenso do filme. O trabalho de Carolina Jabor na direção é firme e consegue logo nos primeiros momentos trazer o espectador para dentro da trama. Os enquadramentos e o posicionamento dos atores em cena refletem a decisão da diretora em explorar o aprisionamento e a pressão que todos os personagens sofrem.

Aos Teus Olhos tem como grandes destaques o elenco, roteiro e atmosfera de tensão que Carolina Jabor capta com enquadramentos e posicionamentos precisos. O envolvimento do espectador é imediato reflexo do roteiro que sempre reforça a dúvida ao mesmo tempo que enfatiza a provável inocência do protagonista. A dúvida persiste a todo instante, mesmo que em alguns momentos certos aspectos fiquem deslocados e desnecessários dentro da trama. Nada que prejudique o todo. Aos Teus Olhos é reflexo de uma safra atual do cinema nacional que envolve de forma intensa o espectador.

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