Pular para o conteúdo principal

Um filme autoral repleto de referências (Até o Último Homem)


Após uma década sem filmar, Mel Gibson retorna ao trabalho na direção em Até o Último Homem. O diretor seguiu os passos deixados por diretores consagrados ressaltando o primordial: a autoria. O filme tem aspectos realistas de O Resgate do Soldado Ryan e o rígido treinamento de Nascido para Matar. Gibson mescla o que há de essencial nos filmes de Spielberg e Kubrick e proporciona ao espectador uma experiência catártica e chocante da Segunda Guerra Mundial.

O filme ressalta o estudo de personagem do soldado Desmond T. Doss que não pegava em armas e tinha uma forte crença religiosa. Gibson divide a trama em duas partes específicas: o núcleo familiar d protagonista e sua contribuição significativa na guerra. O primeiro ato e a metade da segundo ambientam o espectador sobre os conflitos pessoais do Desmond. O pai violento e alcoólatra, a mãe submissa e o irmão mais velho. O diretor foca em um trabalho mais leve que chega a lembrar os filmes clássicos, principalmente, quando enfatiza o relacionamento do soldado e Dorothy. Os takes em câmera lenta e as trocas de ternuras do casal são singelas, sempre campanhas pela belíssima trilha sonora. Quando o personagem vai para a guerra, o realismo toma conta da tela. Se em O Resgate do Soldado Ryan, o espectador teve contato com a dura realidade por 30 minutos que marcaram o gênero, aqui temos dois atos completos de violência na melhor estilo Mel Gibson.

No segundo ato podemos ressaltar a forte influência de Kubrick , Vince Vaughn interpreta o sargente Howell, que submete os soldados ao rígido treinamento.  O humor do personagem funciona perfeitamente e temos a primeira surpresa do elenco repleto de atores competentes. A rigidez e sarcasmo de Howell lembra bastante o sargento Hartman de Nascido para Matar. Os demais coadjuvantes ressaltam o trabalho de Andrew Garfeild. Assim como nos filmes de Spielberg e Kubrick , o grupo possui personalidades distintas que se complementam. Em Até o Último Homem podemos destacar o soldado medroso, o que causa problemas para o protagonista e aqueles que desencorajam para que ele desista. As personalidades distintas formam um conjunto harmonioso que acrescenta e enriquece a trama.


Junto com as referências que Mel Gibson trouxe para o filme, a autoria do diretor é a mais relevante e significativa. A guerra travada contra os japoneses é de um realismo extremo. Em alguns momentos pontuais o diretor proporciona um alívio para o espectador, ao estabelecer uma relação de companheirismo entre Desmond e Smitty, mas logo o público toma contato com os horrores da batalha. Se em o Resgate do Soldado Ryan o realismo chocou o espectador, no filme de Mel Gibson, a intensidade do realismo impressiona ainda mais. São pedaços de corpos explodindo, vísceras expostas e fogo queimando soldados. Tudo filmado com uma mão mesada totalmente distinta do primeiro ato. Diferentes ângulos ambientam o espectador e o inserem na dramaticidade da Guerra.

Mel Gibson engrandece a direção pois sabe proporcionar a liberdade para o trabalho de todo o elenco. Andrew Garfield interpreta Desmond de forma minuciosa. O ator ressalta pequenos detalhes da personalidade do protagonista que encanta o espectador. O jeito inocente e singelo em conquistar Dorothy e a transformação significativa do soldado quanto é inserido na realidade da guerra. Outro destaque é Luke Brancey que serve de contraponto para o protagonista. A presença firme do ator faz falta no terceiro ato.

O que também eleva consideravelmente o trabalho de Gibson na direção é o trilha sonora acompanhada do melodrama exagerado que marca o trabalho do diretor. Podemos tirar facilmente a maca do protagonista e colocar uma cruz no lugar e temos o salvador que sacrificou em diversos momentos a vida para salvar os companheiros na guerra. O melodrama ganha proporções intensas pelo uso da câmera lenta intensificando ainda mais os conflitos do protagonista. O trabalho de Andrew, com a firmeza da direção proporcionam para o melodrama um viés diferenciado. Pode ser extremamente exagerado, mas é totalmente justificável vindo de Mel Gibson.

Com indicações ao Oscar nas categorias principais, Até o Último Homem é repleto de referências de filmes do gênero, mas com o diferencial que proporciona ao espectador uma imersão significativa dos horrores da guerra: a autoria de Mel Gibson.


Comentários

Unknown disse…
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Paula Biasi disse…
Mariana, seja bem vinda ao blog.O que mais aprecio no trabalho de Mel Gibson como diretor é a intensidade é os momentos que ele mescla o drama e sentimentalismo. Ótimo trabalho,apesar de gostar mais de Coração Valente. Forte Abraço e volte sempre 😉

Postagens mais visitadas deste blog

Entretenimento de qualidade (Homem-Aranha no Aranhaverso)

Miles Morales é aquele adolescente típico que ao grafitar com o tio em um local abandonado é picado por uma aranha diferenciada. Após a picada, a vida do protagonista modifica completamente. O garoto precisa lidar com os novos poderes e outros que surgem no decorrer da animação. Tudo estava correndo tranquilamente na vida de Miles, somente a falta de diálogo com o pai o incomoda, muito pelo fato do pai querer que ele estude no melhor colégio e tudo que o protagonista deseja é estar imerso no bairro do Brookling. Um dos grandes destaques da animação e que cativa o espectador imediatamente é a cultura em que o personagem está inserido. A trilha sonora o acompanha constantemente, além de auxiliar no ritmo da animação. O primeiro ato é voltado para a introdução do protagonista no cotidiano escolar. Tudo no devido tempo e momentos certos para que o público sinta envolvimento com o novo Homem-Aranha. Além de Morales, outros heróis surgem para o ajudar a combater vilões que dificultam s

Um pouquinho de Malick (Oppenheimer)

Um dos filmes mais intrigantes que assisti na adolescência foi Amnésia, do Nolan. Lembro que escolhi em uma promoção de "leve cinco dvds e preencha a sua semana". Meus dias foram acompanhados de Kubrick, Vinterberg e Nolan. Amnésia me deixou impactada e ali  percebi um traço importante na filmografia do diretor: o caos estético. Um caos preciso que você teria que rever para tentar compreender a narrativa como um todo. Foi o que fiz e  parece que entendi o estudo de personagem proposto por Nolan.  Décadas após o meu primeiro contato, sempre que o diretor apresenta um projeto, me recordo da época boa em que minhas preocupações eram fórmulas de física e os devaneios dos filmes. Pois chegou o momento de Oppenheimer, a cinebiografia do físico que carregou o peso de comandar a equipe do Projeto Manhattan,  criar a bomba atômica e "acabar" com a Segunda Guerra Mundial. A Guerra Fria já havia começado entre Estados Unidos e a Alemanha, no quesito construção da bomba, a ten

Rambo deseja cavalgar sem destino (Rambo: Até o Fim)

Sylvester Stallone ainda é o tipo de ator em Hollywood que leva o público aos cinemas. Os tempos são outros e os serviços de streaming fazem o espectador pensar duas vezes antes de sair de casa para ver determinado filme. Mas com Stallone existe um fator além da força em torno do nome e que atualmente move a indústria: a nostalgia. Rambo carregava consigo traumas da Guerra do Vietnã e foi um sucesso de bilheteria. Os filmes de ação tomaram conta dos cinemas e consagraram de vez o ator no gênero. Quatro décadas após a estreia do primeiro filme, Stallone resgata o personagem em Rambo: Até o Fim. Na trama Rambo vive uma vida pacata no Arizona. Domar cavalos e auxiliar no trabalho da policial local é o que mantém Rambo longe de certos traumas do passado. Apesar de tomar remédios contralodos, a vida beira a rotina. O roteiro de Stallone prioriza o arco de Gabriela, uma jovem mexicana que foi abandona pelo pai e que vê no protagonista uma figura paterna. No momento em que Gabriela d