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Uma ciranda de gêneros (Passageiros)


O ano começa com uma ficção científica promissora. O que poderia dar errado? Temos no elenco um dos casais "albinos" (brancos, loiros e de olhos claros) mais lucrativos de Hollywood, um roteiro com questionamentos profundos e efeitos visuais que valem o preço do ingresso. A trama envolve o espectador no primeiro ato, mas aos poucos foca em vários gêneros sem saber que rumo seguir.

Jim é um dos 5.000 passageiros da nave espacial Avalon e por uma pane no sistema, o protagonista desperta 90 anos antes do previsto. Após tentar de todas as maneiras possíveis reverter a situação, o personagem começa a refletir sobre as possibilidades de uma vida solitária até chegar ao destino final. A única companhia é o robô Arthur que lhe sugere aproveitar as opções disponíveis. Chris Pratt apresenta a dualidade de Jim e outra faceta pode ser observada: a dramaticidade do ator.


Chris Pratt poderia encarar um Náufrago no espaço, o ator realmente surpreende em cena, mas talvez o espectador pense que a grande protagonista de Passageiros seja a queridinha da vez Jennifer Lawrence. Ledo engano, quem literalmente rouba todas as cenas é a nave Avalon. Os efeitos visuais envolvem instantemente o espectador e o inserem na trama. O primeiro ato possui um ritmo mais lento necessário para ambientar Jim e o público em torno do local e funções presentes na nave. A cada novo filme do "gênero" (mais adiante as aspas serão explicadas) o impacto visual é significativo e inovações auxiliam com elementos primordiais na narrativa. Além do visual, outro aspecto importante dentro da ficção científica é a trilha sonora. Ela acompanha os protagonistas em momentos significativos. O equívoco é evidenciar o que já está claro para o espectador. A dramaticidade e o romance são ressaltados pela trilha para despertar de forma intensificada os sentimentos do casal. O destaque fica para o tema composto por Thomas Newman com tons suaves e que geram a tensão necessária para mesclar romantismo e drama. 

O maior problema da trama é a falta de identificação com o gênero proposto. No segundo ato, todo o relacionamento do casal é explorado, mas não existe um desenvolvimento devido para dar química aos atores em cena. Sempre estou acompanhada de meu bloco fazendo anotações dos filmes. Quando Aurora aproxima-se de Jim e ele diz na tentativa de transparecer romantismo: "Você me mata!", o lado crítico falou mais alto e subitamente deixei de escrever por constatar que não poderia esperar mais do roteiro proposto. Na tentativa frustrada de compreender que John Spaihts estava literalmente perdido sem saber ao certo em que gênero focar, algo precisava ganhar destaque. O que fazer? Enfatizar o conflito. Neste momento, o robô Arthur é o personagem com o arco mais envolvente e primordial para ressaltar e dar importância ao casal. Deixando o romance em segundo plano, a trama foca no gênero catástrofe, e assim, o filme se distancia cada vez mais da conexão estabelecida no primeiro ato com o espectador. 

Passageiros transmite a sensação para o público de deslocamento e ausência ao focar em um gênero específico. Ficção Científica? Drama? Romance? O filme tenta abraçar todos e no desfecho o que resta para o público é a falta de identificação inserida na ciranda de gêneros. 

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