Pular para o conteúdo principal

É necessário abraçar a proposta (Kóblic)


Ricardo Darín. Somente o nome do ator Argentino desperta o interesse do público sem ao menos saber a proposta do filme. Kóblic explora ao máximo a persona do ator. A trama tem como pano de fundo uma temática densa, o período da Ditadura Militar, na década de 70. O filme proporciona uma experiência diferenciada para o espectador se ele compreender as pretensões da narrativa. Sebastián Borensztein deixa os traumas deste período doloroso de lado e foca em uma trama simples e sem nenhuma pretensão de ir além do que realmente é proposto. O simplório ganha o espectador se este compreender a lentidão apresentada no filme.
Darín interpreta um ex- capitão das Forças Armadas, sua função é coordenar operações aéreas conhecidas como voos da morte. Ele era responsável por pilotar um avião com elementos tidos como subversivos e jogá-los ao mar. Só essa temática já seria suficiente, com um personagem extremamente rico em mãos , o diretor explora ao máximo o protagonista e consegue ir além ao ressaltar subtramas que acrescentam a vida extremamente vazia de Kóblic.
Sebastián abraça a lentidão e simplicidade propostas no roteiro. Tudo é ressaltado para o espectador de forma subjetiva. Os arcos dos personagens não são explorados por completo. Zorro aparece em uma noite chuvosa para ocupar a mente de Kóblic que sempre está atormentado pelos atos cometidos nos voos que pilotava. O cachorrinho torna-se companheiro do personagem. Após cuidar dos ferimentos do animal, o protagonista obviamente entra no único bar aberto da cidade pacata e logo é recepcionado pela anfitriã que lhe oferece companhia. Ele prontamente recusa. A figura da prostituta já deixa claro para o público a proposta do filme: abraçar a caricatura dos personagens. E no mesmo local, repleto de bêbados bonachões, o encontro do protagonista com o delegado é estabelecido. Velarde troca algumas palavras e ressalta que o local é mais conhecido pelos moradores como “o templo”.  No dia seguinte, ao abastecer seu carro, Kóblic observa Nancy. O roteiro apresenta a personagem com um olhar distante, reflexo da rotina e do vazio da típica mulher que vê a vida passar sem muitos objetivos. Claro, um romance seria inevitável. A maneira abrupta como os personagens se envolvem pode causar um ruído no espectador, mas para preencher a vida daquela mulher e lhe despertar novos sentimentos faz todo sentido. A medida que a trama avança, o roteiro fica extremamente previsível, mas essa não é a proposta do filme? O delegado, o marido traído, a mulher desiludida e o jovem que procura outras perspectivas. Vamos abraçar e reforçar estereótipos.
Os traumas vividos pelo protagonista são apresentados com uma paleta de cores frias e sempre focado no olhar de Kóblic. O problema ao retratar esses momentos é a repetição de cenas que não auxiliam o espectador a compreender melhor o que aconteceu com o personagem. O diretor apresenta ao público os tormentos do protagonista de forma linear, somente no último momento que o recurso narrativo é proposto, a trama avança e o público tem contato com o que realmente aconteceu no avião. Se fosse apenas mencionado os traumas em uma conversa com conhecidos que o encontram seria mais interessante para o ritmo da história, do que a mera repetição das cenas.

Falar da interpretação do protagonista seria redundante. Se o diretor quer personagens caricatos e esta é claramente a proposta do filme, Darín apresenta ao espectador um homem típico semelhante aos demais presentes na trama. Se é para ser uma caricatura, o personagem sustenta um bigode e o bom e velho óculos de sol. O trabalho dos coadjuvantes também acrescenta e reforça estereótipos. Destaque para Inma Cuesta como Nancy. Sua mulher sofrida e contida transparece em diversos momentos a esperança e o desespero em almejar sair da prisão em que se encontra. O garoto que presta serviços para Darín também reforça uma juventude que necessita estar em outro local, mesmo que para isso cometa atos que não desejaria.
O grande problema do filme no desfecho é fugir da temática apresentada nos dois primeiros atos. A trama ganha um aspecto diferenciado e prejudica bastante a narrativa. A lentidão transforma-se em agilidade e destoa do contexto como um todo. Infelizmente, o tom diferenciado para o terceiro ato prejudica consideravelmente a história. Kóblic ressalta aspectos presentes na caricatura, lentidão e simplicidade. Eles envolvem o espectador que decide abraçar a proposta.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

E o atendente da locadora?

Tenho notado algo diferenciado na forma como consumimos algum tipo de arte. Somos reflexo do nosso tempo? Acredito que sim. As mudanças não surgem justamente da inquietação em questionar algo que nos provoca? A resposta? Tenho minhas dúvidas. Nunca imaginei que poderia assistir e consumir algum produto em uma velocidade que não fosse a concebida pelo autor. A famosa relíquia dos tempos primórdios, a fita VHS, também nos aproximava de um futuro distópico, pelo menos eu tinha a sensação de uma certa distopia. Você alugava um filme e depois de assistir por completo, a opção de retornar para a cena que mais gostava era viável. E a frustração de ter voltado demais? E de não achar o ponto exato? E o receio de estragar a fita e ter que pagar outra para o dono da locadora? Achar a cena certinha era uma conquista e tanto. E o tempo...bom, o tempo passou e chegamos ao DVD. Melhoras significativas: som, imagem e, pasmem, eu poderia escolher a cena que mais gostava, ou adiantar as que não apreciav...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...

Uma provável franquia (Histórias Assustadoras para Contar no Escuro)

Um grupo de amigos que reforça todos os estereótipos possíveis, a curiosidade que destaca os laços da amizade, uma lenda sobre uma casa assombrada e desaparecimentos constantes. Histórias Assustadoras para Contar no Escuro apresenta uma trama previsível repleta de referências à filmes  e séries lançadas recentemente como It: A Coisa e Stranger Things. É a velha cartilha de Hollywood: se deu bilheteria em um estúdio à tendência é repetir a dose. Apesar dos elementos e trama repetitivos, sempre vale a pena assistir novos atores surgindo e diretores principiantes com vontade de mostrar trabalho. É o que acontece neste filme produzido e roteirizado por Guilhermo Del Toro . Nada de muito inovador no gênero, o jumpscare reina, porém com o olhar criativo da direção e uma nova geração afiada, o filme ganha o envolvimento do espectador.  O roteiro gira em torno de um grupo de amigos excluídos que finalmente tomam coragem para enfrentarem os garotos mais valentes. Assustados, o ...