O mais recente filme da diretora premiada Anna Muylaert transmite
a impressão de ser um grande ensaio. Mãe Só Há Uma possui uma estética
libertária, uma câmera na mão e atores soltos em cena, realista ao extremo. O
problema é que esse realismo soa forçado e muitas vezes mecânico,
principalmente nas atuações. Temos uma temática extremamente forte, mas que não
é desenvolvida.
O roteiro do filme gira em torno do protagonista Pierre que vive o
turbilhão de incertezas da adolescência, enquanto toca em uma banda de fundo de
garagem. Tudo corria bem até a descoberta que sua mãe Arcay o roubou na
maternidade. O conflito gerado pela situação poderia ser explorado com mais
intensidade, porém, fica raso nas falas monossilábicas e pausadas do
protagonista. Confuso, ele vai para a casa dos novos pais tentar se adaptar a
realidade. A simplicidade do roteiro, em um primeiro momento, pode atrair o
espectador, mas se perde no decorrer do filme transmitindo a impressão de
vazio e falta de desenvolvimento especialmente do protagonista. O questionamento quanto a descoberta da sexualidade é explorada em
diversos momentos, principalmente nas cenas onde o protagonista vê seu reflexo
no espelho ou quando coloca vestimentas que fogem do padrão masculino.
O destaque vai para o elenco de coadjuvantes. Daniel Botelho e
Luciana Paes são os personagens que proporcionam ao público a leveza e
comicidade necessárias para a trama. Já Matheus Nachtergaele consegue dar
agilidade ao roteiro e dramaticidade para o pai de Pierre. O competente ator
sabe da complexidade em atuar com um jovem ainda no começo de carreira e tenta
em todas as cenas dar suporte para que Naomi Nero tenha seu momento de
destaque, o que finalmente acontece na cena em que a família está reunida jogando
boliche. Um momento raro no filme em que os atores não falam sobrepostos aos
demais e cada um defende suas ideias e levanta indagações. A inexpressividade
do protagonista causa ruídos ao longo da trama. Naomi transmite a confusão que
o personagem vive com pequenas nuances. Aqui, a naturalidade de Pierre
prejudica a história. O ator não consegue enfatizar o turbilhão de emoções e os conflitos propostos pelas temáticas, somente quando está
contracenando com Matheus que as nuances são nítidas.
Anna Muylaert utiliza em Mãe Só Há Uma recursos opostos e uma
linguagem narrativa diferenciada de Que Horas ela Volta? Uma decisão corajosa
da diretora em não repetir o que havia dado certo no filme anterior, apesar de
voltar com a temática familiar. Anna demonstra ousadia em filmar de maneira mais
solta e sem amarras. O que poderia ter um resultado mais satisfatório se perde
no ritmo, interpretação do protagonista e no raso roteiro. Alguns planos longos
percorrem os personagens de forma interessante, a câmera caminha junto deles
para enfatizar o naturalismo das atuações.
Anna realizou uma obra com o tom de grande ensaio, onde os
personagens estão libertos no universo proposto, mas sem saber a hora que
realmente toda a proposta está valendo. O termo ação ficou em segundo plano
para dar ênfase ao ensaio que resultou na obra final.
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