Pular para o conteúdo principal

Você consegue viver sozinho? (Sob as Escadas de Paris)


Você conseguiria viver sozinho? Christine aparentemente consegue, até que Suli, um garoto de oito anos, surge no local onde a protagonista mora. Ela mora embaixo das escadas de uma ponte em Paris. Durante o dia, vive da ajuda de estranhos e de programas assistenciais, de noite, tenta sobreviver ao frio tendo como companhia a leitura de uma revista que achou no lixo. Quando Suli surge causa inquietação porque a solidão era a zona de conforto de Christine. Agora são dois lutando pela sobrevivência. Aos poucos a relação materna é estabelecida com o objetivo principal: achar a verdadeira mãe do garoto. O roteiro foca nos protagonistas baseado exclusivamente no afeto até porque Suli não fala francês. O afeto em pequenos gestos como comprar um caleidoscópio e roupas novas. O instinto materno fala mais alto para Christine que vende um bem repleto de lembranças do passado para ajudar alguém que até pouco tempo era um estranho. 

A relação de Suli e Christine pertence à ficção, porém, uma subtrama pertinente faz a narrativa ganhar tons de denúncia. O roteiro intensifica a situação de vários imigrantes que vivem à margem da sociedade em Paris. Claus sabiamente explora o arco dos coadjuvantes que são as verdadeiras pessoas que estendem a mão para os protagonistas, eles auxiliam ambos por também serem invisíveis. Com poucas palavras Claus diz muito e dá voz para os que necessitam ser ouvidos. A cada encontro turbulento Christine ganha o amparo para conseguir chegar até a mãe de Suli.
 

Claramente o roteiro foca na naturalidade da atuação de Mahamadou Yaffa e na experiência de Catherine Frot. O clichê ao explorar a resistência da veterana em não  querer contato no primeiro momento com o garoto não prejudica a trama. Aos poucos o afeto ganha a relação por conta da ternura no olhar da atriz. É um afeto contido por saber que será momentâneo. A atriz imprime para Christine os momentos certos de intensidade e o clichê ganha força novamente. Já o pequenino Yaffa transborda a naturalidade necessária para que a dinâmica entre a dupla funcione. O ator com poucas falas transmite leveza no gestual ao se comunicar com Catherine. É tocante a entrega da atriz que por diversos momentos "dirige" o pequeno em cena. 

A direção de Claus Drexel acertadamente explora ao máximo a relação de Christine e Suli. Não existe muitos enquadramentos somente primeiro plano e close. Ao aproximar a câmera dos atores, Claus intensifica a empatia do espectador e reforça os laços maternos entre ambos. Não ter uma câmera diversificada não quer dizer que o olhar da direção seja menos expressivo que os demais elementos. É ela que capta toda a essência da relação dos protagonistas lembrando de Dora e Josué, no tocante Central do Brasil. Imagino que Claus tomou como inspiração o significativo filme brasileiro. A inversão da câmera em uma cena destaca como à vida do pequeno garoto virou de cabeça para baixo, mas logo a câmera volta ao normal para o olhar reconfortante de Suli ao buscar segurança em Christine. Sob as Escadas de Paris é um filme simples esteticamente que ganha força pela temática sensível que cativa o espectador. Claus sabe que a câmera capta a intensa relação de Christine e Suli transmitindo uma poderosa mensagem de esperança para aqueles invisíveis e para os que ainda possuem como companhia a solidão. 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

E o atendente da locadora?

Tenho notado algo diferenciado na forma como consumimos algum tipo de arte. Somos reflexo do nosso tempo? Acredito que sim. As mudanças não surgem justamente da inquietação em questionar algo que nos provoca? A resposta? Tenho minhas dúvidas. Nunca imaginei que poderia assistir e consumir algum produto em uma velocidade que não fosse a concebida pelo autor. A famosa relíquia dos tempos primórdios, a fita VHS, também nos aproximava de um futuro distópico, pelo menos eu tinha a sensação de uma certa distopia. Você alugava um filme e depois de assistir por completo, a opção de retornar para a cena que mais gostava era viável. E a frustração de ter voltado demais? E de não achar o ponto exato? E o receio de estragar a fita e ter que pagar outra para o dono da locadora? Achar a cena certinha era uma conquista e tanto. E o tempo...bom, o tempo passou e chegamos ao DVD. Melhoras significativas: som, imagem e, pasmem, eu poderia escolher a cena que mais gostava, ou adiantar as que não apreciav...

Entretenimento de qualidade (Homem-Aranha no Aranhaverso)

Miles Morales é aquele adolescente típico que ao grafitar com o tio em um local abandonado é picado por uma aranha diferenciada. Após a picada, a vida do protagonista modifica completamente. O garoto precisa lidar com os novos poderes e outros que surgem no decorrer da animação. Tudo estava correndo tranquilamente na vida de Miles, somente a falta de diálogo com o pai o incomoda, muito pelo fato do pai querer que ele estude no melhor colégio e tudo que o protagonista deseja é estar imerso no bairro do Brookling. Um dos grandes destaques da animação e que cativa o espectador imediatamente é a cultura em que o personagem está inserido. A trilha sonora o acompanha constantemente, além de auxiliar no ritmo da animação. O primeiro ato é voltado para a introdução do protagonista no cotidiano escolar. Tudo no devido tempo e momentos certos para que o público sinta envolvimento com o novo Homem-Aranha. Além de Morales, outros heróis surgem para o ajudar a combater vilões que dificultam s...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...