O diretor Kwok Cheung Tsang aposta no poder da interpretação e em Better Days, indicado ao Oscar de filme internacional de 2021. A trama gira em torno da jovem Nian, que vive constantemente a pressão de tirar uma nota de corte para estudar em Pequim. Yuan Li assina o roteiro que foca em importantes subtramas. A temática central é o bullying e suas consequências. No decorrer dos atos, Li ressalta a diferença de classes sociais, as camadas do casal de jovens e a pressão nos estudos focando na postura ditatorial dos professores. Yuan consegue explorar de forma envolvente o arco dos personagens, mesmo que em alguns momentos exagere no melodrama. Intenso, o roteiro busca atenção do público por optar pela narrativa não linear, o que reforça o interesse na trama como um todo. Não existe pressa em desenvolver os personagens e aos poucos temos contato com o drama do casal de protagonista. O envolvimento amoroso entre Nian e Trickser é um acerto do roteiro que ressalta ainda mais o melodrama. Trickser não tem nada a perder e a única motivação é ajudar Nian. Já Nian tem todo futuro pela frente e a paixão que sente por Trickser a ajuda a enfrentar os desafios da vida.
Kwok não poupa o espectador logo no primeiro ato de Better Days. Uma adolescente comete suicídio na escola e algumas mensagens de celular surgem na tela. Alunos assustados perguntam: Qual o motivo do ato? Quem não faria o mesmo? Na era digital, não demora muito para que o corpo da jovem viralize. O diretor explora bastante a interação dos personagens com o mundo virtual de forma inteligente mesclando a realidade e ficção do no universo juvenil. O celular é fundamental para a temática voltada para o bullying. Além das imagens geradas pelo celular, o diretor foca os personagens com uma câmera tremida e em momentos tensos a câmera os acompanha fazendo com que o olhar do espectador esteja sempre presente na narrativa. Para ressaltar o melodrama, Kwok abusa do close com direito a um encontro do casal quando chove.
A direção de Kwon cresce principalmente pela atuação de Zhou Dongyu e Zackson Yee. Os atores dominam os personagens e transmitem força para carregar o melodrama proposto no roteiro. Zhou compreende as nuances de Nian e apresenta uma protagonista que procura caminhar de maneira correta, mesmo que a vida sempre esteja lhe testando. Com 29 anos, a atriz consegue fazer o espectador acreditar que ela ainda é uma jovem, mérito do domínio e compreensão de Zhou para interpretar Nian. O roteiro exige mais físicamente de Zackson que sempre está sofrendo por estar envolvido com brigas e crimes. Quando Nian procura Trickser, Zackson, aos poucos, apresenta momentos de ternura do personagem. Ambos conseguem transmitir segurança nas cenas mais dramáticas, que não são poucas, cativando o espectador.
Os elementos narrativos auxiliam e prejudicam em determinados momentos a narrativa. A fotografia com paletas quentes intensifica a relação do casal. À luz estourada no momento do interrogatório cria uma leveza e estabelece em definitivo o afeto entre os protagonistas. A mesma luz liberta Nian para uma nova chance após vários tormentos. Já a edição prejudica um pouco o ritmo justamente pela narrativa ser não linear. Ao mesmo tempo que cria expectativas, alguns flashbacks são repetitivos prejudicando o ritmo. Outra cena repleta de emoção é quando o destino de Nian e Trickser se entrelaça com imagens sobrepostas (imagem acima), mais uma vez os elementos narrativos surgindo para contribuir com o todo. Better Days toca em temáticas atuais e nos faz refletir sobre até que ponto podemos suportar o que à vida nos reserva.
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