Abbas Kiarostami nos apresenta uma aula de direção e roteiro em Gosto de Cereja. O diretor aposta na força do protagonista interpretado por Homayoun Ershadi para contracenar com não atores e nos convida a refletir sobre temáticas universais. Mr. Badii deseja morrer e precisa que alguém jogue terra em seu corpo. O que soa como uma premissa simples ganha questionamentos e desdobramentos complexos no roteiro.
Enquanto o protagonista dirige o roteiro foca nos desdobramentos do pedido para cada passageiro que entra no carro. Para que Badii seja enterrado, ele precisa que alguém aceite a proposta. A cada passageiro, o protagonista oferece uma boa quantia em dinheiro. Todos que entram no carro necessitam e são extremamente humildes. Existe à tentação em aceitar mas quando escutam a proposta, alguns ficam com medo, outros titupeiam, até que um senhor acaba aceitando para custear as despesas do filho enfermo. O roteiro foca principalmente no debate sobre a punição divina. O que cairá sobre ambos: Badii por não querer mais viver e o outro por ajudá-lo. O que poderia ser cansativo para o espectador acompanhar cada passageiro é justamente o que torna Gosto de Cereja envolvente.
O poder do roteiro ganha força na interpretação de Homayoun Ershadi. O diretor sabe da tamanha expressividade do ator o deixando praticamente dirigir todos os não atores em cena. Ershadi precisa dominar a cena sem transparecer que está atuando para não causar ruídos na interação com os demais. O ator domina o longa e a atuação transborda sensibilidade. A delicadeza vem da introspecção da dor e conflitos que o protagonista carrega. Ershadi envolve o espectador no minimalismo de cada detalhe refletido no olhar melancólico de Badii.
O domínio da cena também é intenso no olhar de Abbas que aposta na simplicidade para inserir o espectador na narrativa. A direção é segura e não deixa Badii um só momento. Seja dentro do carro, ou fora dele, o intimismo é o ponto chave da direção. Mesmo sem sabermos nada da vida do protagonista, a câmera capta toda a angústia e brinca com os sentimentos dos espectador. A cena que Baddi procura o senhor no trabalho nos faz refletir em uma atmosfera de tensão. Badii desistiu ? A junção do trabalho de Abbas e Ershadi transformam por alguns minutos o drama em tensão. Outra cena simples carregada de simbolismos é quando a sombra do protagonista é registrada pela câmera quando uma escavadeira joga terras em uma área vazia. A reflexão de Badii faz o espectador questionar sobre as atitudes do protagonista. O olhar melancólico do ator faz com que a cena ganhe proporções dramáticas com sensibilidade. Gosto de Cereja é uma obra prima que transborda domínio de Abbas e Homayoun demonstrando que na simplicidade o espectador pode ir além na reflexão sobre temas complexos que precisam ser debatidos. O tabu ganha às telas com sensibilidade.
Comentários