Pular para o conteúdo principal

A força do clássico está nos pequenos detalhes (O Poderoso Chefão)



Don Vito Corleone é um mafioso de gestos minuciosos e aparentemente tranquilo, até na maneira cadenciada de falar, mas por dentro carrega um turbilhão de emoções, pois precisa comandar os negócios da família. No casamento da filha, o patriarca consegue manter a calma enquanto recebe "os convidados" em um escritório reservado para a troca de favores. O espectador observa como os negócios são feitos e também como a presença de Corleone impõe medo e respeito.

O roteiro enfatiza o poder dos laços familiares e como Don Vito transfere o legado (ou seria fardo?) para o filho. No primeiro ato, Francis Ford Coppola alterna momentos de tensão e confraternização familiar. É o contraste dos poderes: dos laços familiares e do nome Corleone. O roteiro explora também as personalidades dos membros da família, mas Michael é o que ganha destaque. Michael deseja um casamento tranquilo com Apolônia, mas " um recado" o faz retornar. O arco do personagem é repleto de nuances, pois ele é o filho que precisa se adaptar de forma mais intensa aos negócios da família. Os demais irmãos não sofrem mudanças drásticas. Sonny é intempestivo; Fredo o medroso; Connie vive a submissão e violência doméstica no casamento e Tom permanece sempre leal. Porém, acompanhar a transformação de Al Pacino é um deleite para o espectador. A forma serena com que Marlon Brando decide fechar acordos é observada também em Pacino. 


A transição de pai para filho é o que fica evidente em um primeiro momento para o espectador, mas são os detalhes que provocam uma imersão completa no público. São eles que fazem de O Poderoso Chefão um clássico da sétima arte. Como sabemos que Michael começa a comandar os negócios da família? Seria na cena em que Pacino pega o revólver escondido no banheiro? Ao rever o clássico e observar os detalhes acredito que a transformação de Mike se dá no momento em que ele salva o pai no hospital e Don Vito Corleone chora esboçando um leve sorriso. É o poder dos laços familiares em uma singela cena. Os detalhes continuam repletos de significados. As laranjas surgem na mise-en-scène em momentos decisivos entre as famílias mafiosas. A fruta é mencionada pelo neto na cena mais tocante do filme: a morte de Corleone. O detalhe fecha o ciclo de acontecimentos narrativos em torno do patriarca. Outros detalhes também marcam a personagem de Diane Keaton. No começo do relacionamento com Mike, o figurino de Kay é repleto de cores vivas e um vermelho intenso. Após o casamento, o vermelho surge somente no detalhe em pequenos acessórios. No desfecho, o detalhe do olhar para Pacino é mais um fechamento de ciclo em que o casal foi feliz. Ela sabe que o marido é o mafioso sucessor de Don Vito.

Impossível mencionar o poder dos detalhes em O Poderoso Chefão sem destacar a interpretação de Marlon Brando como patriarca da família Corleone. A interpretação do ator lhe rendeu o Oscar e os detalhes ao compor o personagem ganham força na tela grande. Os gestos delicados ao coçar o canto da boca, o olhar distante repleto de sofrimento e o andar de quem carrega vários conflitos internos para preservar o nome da família. Sem Brando, o filme ganharia outro sentido, com Brando, o filme torna-se terno e melancólico. Brando é o grande detalhe que faz toda a diferença na aura deste clássico. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

E o atendente da locadora?

Tenho notado algo diferenciado na forma como consumimos algum tipo de arte. Somos reflexo do nosso tempo? Acredito que sim. As mudanças não surgem justamente da inquietação em questionar algo que nos provoca? A resposta? Tenho minhas dúvidas. Nunca imaginei que poderia assistir e consumir algum produto em uma velocidade que não fosse a concebida pelo autor. A famosa relíquia dos tempos primórdios, a fita VHS, também nos aproximava de um futuro distópico, pelo menos eu tinha a sensação de uma certa distopia. Você alugava um filme e depois de assistir por completo, a opção de retornar para a cena que mais gostava era viável. E a frustração de ter voltado demais? E de não achar o ponto exato? E o receio de estragar a fita e ter que pagar outra para o dono da locadora? Achar a cena certinha era uma conquista e tanto. E o tempo...bom, o tempo passou e chegamos ao DVD. Melhoras significativas: som, imagem e, pasmem, eu poderia escolher a cena que mais gostava, ou adiantar as que não apreciav...

Não, não é uma crítica (Coringa : Delírio a Dois)

Ok, o título estampado no cartaz é: Coringa: delírio a dois. Podemos criar expectativas que a continuação é um filme do Coringa, correto? Na realidade, o que Todd Phillips nos apresenta e faz questão de reforçar a cada cena é que temos o Coringa, porém, o protagonista é Arthur Fleck, um homem quebrado físicamente e mentalmente. Temos também Lee Quinzel, que projeta no outro um sentido na vida e começa a manipular Arthur, para que Arlequina venha à tona. Podemos refletir sobre a manipulação da personagem, ela inclusive reforça:"Não assisti ao filme vinte vezes, talvez umas quatro ou cinco. Quem não mente?". Mas dizer que ela é culpada pelas atitudes de Arthur/ Coringa? A coerência existe no fato da personagem possuir um transtorno mental e, por isso, justifica o desejo e manipulação. Agora, qual a necessidade de criar uma pauta inexistente? O grande equívoco talvez seja do próprio estúdio em não vender o filme como musical e gerar expectativas equivocadas no espectador. É um f...

Uma provável franquia (Histórias Assustadoras para Contar no Escuro)

Um grupo de amigos que reforça todos os estereótipos possíveis, a curiosidade que destaca os laços da amizade, uma lenda sobre uma casa assombrada e desaparecimentos constantes. Histórias Assustadoras para Contar no Escuro apresenta uma trama previsível repleta de referências à filmes  e séries lançadas recentemente como It: A Coisa e Stranger Things. É a velha cartilha de Hollywood: se deu bilheteria em um estúdio à tendência é repetir a dose. Apesar dos elementos e trama repetitivos, sempre vale a pena assistir novos atores surgindo e diretores principiantes com vontade de mostrar trabalho. É o que acontece neste filme produzido e roteirizado por Guilhermo Del Toro . Nada de muito inovador no gênero, o jumpscare reina, porém com o olhar criativo da direção e uma nova geração afiada, o filme ganha o envolvimento do espectador.  O roteiro gira em torno de um grupo de amigos excluídos que finalmente tomam coragem para enfrentarem os garotos mais valentes. Assustados, o ...