Se o espectador tiver a oportunidade de assistir Corpus Christi e pausar o filme a cada trinta minutos verá a divisão exata dos três atos no roteiro. O roteiro explora as reviravoltas e conflitos internos do jovem Daniel que deseja ser padre, mas não pode porque possui ficha criminal. Quando o protagonista vai para uma pequena cidade trabalhar, ele vê a oportunidade de concretizar o seu desejo e começa a substituir o padre local. Aos poucos toda comunidade o abraça e a transformação é mútua.
Como o roteiro é centrado no estudo de personagem do protagonista, o ator teria que segurar o filme e o envolvimento com o espectador. A escolha de Bartosz Bielenia não poderia ser melhor. O filme pulsa com a presença do jovem ator. Com um olhar que transmite as mais variadas emoções o jovem toma o filme para si. Não é à toa que a fotografia sempre ressalta o protagonista com uma luz ambiente. Daniel é um ser literalmente iluminado repleto de defeitos. O destaque também está no elenco de coadjuvantes. Toda a cidade faz vigília para um grupo de jovens que morreu em um acidente. Um dos jovens era irmão de Eliza que logo se aproxima de Daniel. Eliza Reycembel explora toda dor e rebeldia de forma reprimida. A atriz intensifica as emoções da personagem em um olhar cansado repleto de mágoa. Já Aleksandra Konieczna é a personificação da figura materna calejada pelo sofrimento. Assim, coadjuvantes e protagonista reforçam a intensidade do roteiro.
O diretor Jan Komasa explora ao máximo a presença cênica dos atores, em especial, de Bartosz. A câmera de Jan capta toda a angústia e leveza do protagonista. O close up é um recurso utilizado com frequência justamente para aproximar o espectador dos conflitos internos de Daniel. Um pena que nos momentos mais intensos como na confissão do "amigo" e no desfecho, o diretor apressa as cenas para sugerir a confusão do protagonista. Nesses momentos não existe tempo suficiente para o espectador absorver os conflitos e o trabalho do ator. Além da câmera captar as emoções dos personagens é interessante ressaltar a importância do roteiro ao explorar as diversas camadas do protagonista. Quando o jovem transmite de forma indireta nos sermões a pressão e o desenvolvimento no arco dos coadjuvantes, o espectador nota o cuidado do roteiro em explorar os dramas de cada um que Daniel tenta ajudar. Cada conflito importa para que a trama tenha um desfecho significativo para cada coadjuvante.
Corpus Christi representou a Polônia no Oscar e obteve o reconhecimento da Academia de forma merecida. Com concorrentes de peso como Dor e Glória e Parasita, o longa perdeu para o Sul-Coreano, porém a indicação reforça os novos rumos e olhares da premiação. Da mesma forma que Daniel surge iluminado na tela, a luz alcança novas perspectivas para uma abertura maior dos votantes da Academia. Como sabiamente Joon-ho ressaltou no discurso ao receber o prêmio de melhor filme: "Quando vocês superarem as barreiras de filmes com legendas, conheceram muitos filmes incríveis". Infelizmente, Corpus Christi não teve distribuição no Brasil, mas ganhou o mundo, o que já é um belo começo.
* Filme visto no BIFF - 7° Brasília International Film Festival
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