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A torneira sempre esteve quebrada (A Casa)


O que você faria se tivesse tudo e perdesse em pouco tempo? Status social, um apartamento luxuoso e reconhecimento profissional, tudo seguindo uma rotina estável, pelo menos no quesito financeiro. Essa é a vida de Javier, o protagonista de A Casa. Pai de um adolescente com baixa autoestima que sofre bullying e casado com uma mulher dedicada, Javier vê a vida desmoronar após perder o emprego e ter que alugar o apartamento. As brigas são inevitáveis e aos poucos a narrativa explora as consequências dos atos extremos do protagonista.

O roteiro dos irmãos David e Alex Pastor foca no estudo de personagem do protagonista. O arco de Javier é bem desenvolvido e prende a atenção do espectador. Os irmãos intensificam gradativamente a transformação de Javier. Vale destacar que a trama no primeiro ato explora muito pouco a relação do protagonista com a família, o foco sempre é o trabalho e o reconhecimento profissional. Quando Javier começa a ficar obcecado pela vida da família que alugou o seu antigo apartamento, se afastar do núcleo familiar parece natural e o espectador pode achar que Javier não possui nenhum traço de psicopatia. Porém, a forma como o protagonista adora ser elogiado pelo passado de conquistas na publicidade e como ele não estabelece afetos com o filho e a esposa, já reflete traços, no mínimo, egocêntricos. O roteiro explora os demais personagens de forma superficial, somente para impulsionar as ações de Javier e mover a trama. Tomás é o coadjuvante que mais ganha destaque e possui conflitos internos próprios. Já o jardineiro do antigo apartamento propõe certa tensão, mas não acrescenta em nada na trama, muito pelo contrário, somente gera um conflito ético que não dialoga com as atitudes do protagonista. Sem falar na importância que a esposa ganha perto do desfecho, sendo literalmente esquecida em boa parte da trama.


Os irmãos são responsáveis também pela direção do longa e criam uma boa atmosfera de suspense à medida que Javier volta a ter status social. Os enquadramentos utilizados proporcionam uma sensação de sufocamento no espectador. Não é à toa que a mise-en-scène ressalta o pouco espaço do novo apartamento da família e o trabalho realizado pelos irmãos acentua ainda mais esse aspecto. Interessante observar que os diretores reforçam o deslumbramento do protagonista ao deixá-lo sozinho em um amplo apartamento. O close é um recurso utilizado para que o espectador fique mais próximo, não somente da atuação de Javier Gutierrez, como também do estudo de personagem proposto no roteiro. Agora, além da direção que cria a atmosfera, o filme ganha força também pela atuação de Gutierrez, que trabalha de forma competente as camadas de Javier. A psicopatia sempre esteve latente no protagonista desde a primeira cena e a torneira é o objeto cênico que evidência o desvio de personalidade do protagonista. Afinal, ela sempre esteve quebrada mesmo mudando de local. 

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