Sócrates acorda como todas as manhãs em uma rotina diária e percebe que a mãe não esboça nenhum movimento quando o jovem a chama. O pior acontece e a mãe falece deixando o protagonista desamparado sem rumos na vida. Ao longo dos atos o espectador acompanha a luta de Sócrates para tentar buscar um pouco de dignidade na vida após a morte da mãe. No começo do longa é exibido um aviso que os atores são de uma comunidade e muitos fazem o primeiro trabalho. É nítido durante todo o filme a naturalidade nas atuações e como Alex Moratto faz questão de captar o misto de crueldade e naturalismo nas telas.
A primeira cena da morte da mãe já ambienta o espectador na atmosfera de sofrimento do protagonista. A juventude move Sócrates de um lugar para o outro em busca de emprego. O tão sonhado primeiro emprego é uma sucessão angustiante de negativas e portas fechadas para o jovem. A pressão da dona do local é constante e Sócrates se vê em um beco sem saída. O roteiro de Alex Moratto é direto no período de alguns dias na luta pela sobrevivência. Sucessivos acontecimentos fazem com que o espectador acompanhe de forma crua e direta as pauladas que a vida dá no protagonista. Ser negro, pobre e homossexual agrava ainda mais as dificuldades do protagonista. Um pequeno alívio no meio do caminho repleto de afeto é sentido por Sócrates. Ao fazer um bico, ele conhece Maicon, um jovem reprimido que sente uma atração instantânea pelo protagonista. A leveza proporcionada no roteiro dura pouco, pois Alex dialoga com a realidade de vários jovens pobres brasileiros e logo a vida torna a ser intensa e dura. Além da fome constate e falta de emprego, o inevitável acontece e o personagem é despejado no pequeno local onde mora. O desespero toma conta e o roteiro dosa de forma realista cada sofrimento do personagem. A busca pelo afeto de Maicon é descartada em uma única cena que diz tudo sobre o arco do coadjuvante: a mãe não sabe da homossexualidade do filho e ele ainda precisa sustentar um bebê. O afeto dá lugar ao desespero e Sócrates pensa em se prostituir. É interessante como o roteiro de Alex explora várias temáticas em cenas simples. Ao desistir no último momento da prostituição, o personagem vai ao encontro da pessoa que sempre o maltratou: o pai. O encontro é repleto de dor e sofrimento e mais uma vez Alex explora diálogos diretos para que o espectador saiba de forma pulsante que pai e filho nunca serão uma família. As únicas companhias de Sócrates são as cinzas da mãe e a imensidão do mar, o que lembra claramente o ganhador do Oscar Moonlight.
Alex Moratto opta pela câmera na mão durante todo o filme. Lentes subjetivas e primeiro plano auxiliam na visão do diretor ao explorar o estudo de personagem na trama. A câmera sempre próxima do protagonista intensifica o envolvimento do espectador e reforça a naturalidade das atuações. O que por um lado é ótimo para retratar a realidade de vários jovens negros de periferia. Por outro lado ressalta ainda mais algumas pausas típicas de quem está começando. Existe um nervosismo natural que a câmera de Alex capta no protagonismo de Christian Malheiros que acrescenta e faz o filme ganhar mais intensidade. Outro elemento narrativo que reforça a naturalidade na atmosfera do filme é o desing de produção. O apartamento de Sócrates é pequeno, somente com uma cama e banheiro. Alex explora ao máximo locações externas. Lojas pequenas, a periferia onde alguns parentes do protagonista mora e a praia. As locações acrescentam no arco do personagem, mas o foco continua sendo no roteiro e atuações.
As atuações são as protagonistas de Sócrates e o destaque fica para Christian Malheiros. A intensidade e força com que o ator carrega o filme é tocante. Todos os momentos difíceis vividos pelo ator envolve o espectador de forma tão pulsante que somente nos resta esperar pelo pior. Viver de maneira tão cruel a realidade de muitos jovens de periferia nos faz ter empatia pela luta e tentativa de sobrevivência do personagem. Além de Christian, outro ator que esbanja talento é Tales Ordakji. O ator trabalha a introspecção e a necessidade em reprimir seus sentimentos para transparecer uma masculinidade perante os demais. O elenco adulto também reforça a naturalidade presente na trama. Sócrates mostra ao mundo que uma câmera na mão e a realidade brasileira são elementos intensos para tocar em cheio a sensibilidade do espectador.
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