O longa metragem Greta é uma adaptação da peça teatral, Greta Gargo, quem diria, acabou no Irajá, de Fernando Melo. O filme de Armando Praça explora uma contemplação nos acontecimentos da trama que se aproxima da linguagem teatral, o que envolve por completo o espectador. Marco Nanini vive Pedro, um enfermeiro que precisa achar um leito no hospital para ajudar a amiga Daniela. O protagonista consegue o leito, a questão é que a amiga não quer ficar na ala masculina. Daniela é transexual e prefere morrer em casa a ficar em uma ala que não é a destinada para ela. O protagonista consegue um local, pois leva para casa o enfermo Jean. Jean matou um homem e é foragido da polícia. E, assim, o espectador conhece os conflitos internos dos três protagonistas: Pedro, Daniela e Jean.
O roteiro também assinado por Armando Praça que explora o arco do trio de personagem de forma leve mais ao mesmo tempo crua. São frases diretas que saem da boca dos personagens como se fossem fechas que acertam diretamente em temáticas sensíveis e necessárias. A questão de Daniela não querer ficar no leito masculino é o ponto principal que liga os personagens. Não somente por Daniela não se sentir homem, ela é mulher e deseja ser tratada como mulher. Se não for dessa forma, ela prefere a morte. Já Jean aceita os cuidados de Pedro e se permite sentir uma nova forma de amar, apesar de chamar Pedro, de forma carinhosa, de "velhaco". Armando consegue explorar os arcos dos personagens de forma intensa com frases secas que apresentam enorme profundidade. Não existem falas elaboradas, somente frases diretas que exprimem os sentimentos do trio. Pedro é enfático ao afirmar que não existe relação entre ele e Jean. Mas Jean não consegue sair da casa de Pedro, pois afirma: "Você me deu esperança". Dessa forma, entre os atos, os laços afetivos dos personagens ficam cada vez mais fortes. O único equívoco do diretor é explorar em alguns momentos de forma deslocada a trama paralela relacionada ao assassinato cometido por Jean. Armando tenta resgatar o real motivo de Jean ter ficado na casa de Pedro, que fica em segundo plano de forma solta pela relação terna e afetiva construída ao longo da trama pelos personagens.
A direção de Armando dialoga com a construção do roteiro em torno dos personagens. A fotografia com paletas de cores frias no primeiro ato exprime a solidão presente na vida de Pedro. O hospital é um local frio e sem vida, muito próximo ao que o personagem sente. Uma apatia constante que se agrava pela enfermidade da amiga. Aos poucos o diretor deixa a luz entrar na casa de Pedro, a partir do momento em que Jean permanece no local. As cenas que Pedro banha Daniela e Jean expressam a ternura do protagonista e Armando explora de forma delicada cada cena. O banho de Jean é com uma câmera mais próxima dos personagens, em primeiro plano. Já o banho na amiga é de noite, a câmera aproxima lentamente dos personagens como se representasse um momento prolongado de despedida dos amigos. A fotografia dialoga com a direção de Armando também nas entregas do protagonista. O neon das boates que Pedro frequenta explora uma camada a mais no arco do personagem e Armando apresenta closes e enquadramentos fechados para intensificar o aprisionamento de Pedro no local. Existe o cuidado do diretor em explorar cada vertente e camada nos arcos do trio ressaltando o envolvimento do espectador com os conflitos internos dos personagens.
Por ser um longa minimalista, as atuações são o centro de Greta e elas movem a trama como um todo. É muito delicado e intenso ver a entrega dos atores nos devidos papeis. Apesar da trama focar mais em Pedro, os demais personagens são tão significativos quanto o protagonista. Ver a entrega de Marco Nanini sem pudor algum é de encher os olhos do espectador. Uma entrega significativa, um reflexo direto da compreensão do ator ao compor o personagem. Ao mesmo tempo em que Pedro nega o envolvimento mais íntimo com Jean, Nanini explora camadas do personagem que aos poucos se permite viver o amor. Já Denise Weinberg empresta sua voz com timbre grave para Daniela. Além da voz existe uma postura corporal de cansaço que a atriz mantém durante todo o filme. O olhar sofrido e intenso da personagem também auxilia na bela e tocante composição de Denise. Demiké Lopes entrega uma dualidade interessante e cativante para Jean. O ator alterna as camadas do personagem que passeia entre a agressividade e delicadeza. Greta foca no estudo de três personagens com suas dores, desejos e despedidas.
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